Rebatendo ideias de um “político genial” sobre a área da Saúde
Diário da Manhã
Publicado em 8 de julho de 2016 às 02:26 | Atualizado há 9 anosNão há muitas dúvidas de que Ciro Gomes – candidato à presidência, secretário da saúde do Ceará – tenha uma mente genial (mais à frente argumento isso). Mas isso não vai deixá-lo chegar à presidência do Brasil pois nosso povo não gosta de orgulho, arrogância, agressividade e a pessoa muito inteligente, quase que por definição, é isso aí.
Numa entrevista (que pode ser vista em: https://www.facebook.com/guilherme.maldonado.10/videos/1033640226689031/) , Ciro Gomes diz que os médicos são corporativistas, impedem a formação de profissionais, tendo como um dos objetivos encarecer o médico no mercado. Reclama que, por causa disso, no interior do Ceará um médico ganha mais do que um juiz; diz que o médico ganha 30 mil (muitos médicos estão desmentindo isso nas redes sociais). Ciro diz que o Estado deveria interferir na formação do médico, obrigá-lo a trabalhar no SUS, mandá-lo à força para o interior, como é feito com “os promotores” (segundo ele). Por isso ele diz que é favorável à carreira médica de Estado, como a carreira de promotor, juiz, etc. Diz também que , caso dirigisse o país, obrigaria o aumento exponencial de vagas nos cursos de Medicina – para baratear o custo.
Eu digo que esta fala de Ciro Gomes é pérfida porque, sendo ele genial, estando ele no cerne do problema da saúde, sabe que está falando meias-verdades, querendo travesti-las de verdades inteiras. A finalidade, evidentemente, é maquiavélico-política (“jogar para a galera”, angariando apoio da classe média – quiçá dos “coitadinhos” – contra os médicos).
Ciro quer “mais Estado”, para “resolver o problema da assistência médica” no Brasil. Eu provo que é o contrário, vejamos.
1- Diz ele que há diminuição de pediatras e anestesistas no Brasil de hoje. Diz ele que é uma jogada de mercado, para aumentar o valor deste profissional na praça. Erro completo. Houve uma diminuição de pediatras porque estão ganhando muito pouco (preço da consulta e da visita hospitalar lá embaixo), para um trabalho muito árduo. A consulta e o trabalho hospitalar do pediatra são baixos porque o próprio Governo, dando “consultas e hospitais de graça” pelo SUS, forçou o rebaixamento do preço de consultas, num processo chamado “dumping”. Planos de saúde, clientes particulares, pensam assim: “Por que vou pagar um preço ‘alto’ para uma consulta pediátrica se no Governo, SUS, eu tenho isso de graça?”
2- Os hospitais no Brasil estão morrendo. Só em Goiás, nos últimos 10 anos, foram fechados quase 50, dados da Assoc. Hosp. Goiás. Estão morrendo também porque o Governo faz “concorrência desleal” com eles: cobra impostos, taxas, exigências pesadíssimas de estrutura física e pessoal, e paga uma merreca. Ao mesmo tempo em que asfixia o hospital privado, favorece o hospital público, de quem nada é cobrado e que são submersos de verbas fáceis e entulhados de cabides-de-emprego, milhares de funcionários não-funcionantes, por causa do gerenciamento precário no nível estatal. O que é público não funciona, o que é privado está fechando: resultado, poucos postos de trabalhos para médicos, sobretudo para médicos que só conseguem trabalhar dentro de hospitais, como os anestesistas.
3- Se há “Entidades Médicas” que fazem reserva de mercado, conforme Ciro Gomes, é porque o Governo lhes deu este poder. As Entidades são notoriamente pelegas, governistas, e não é o Governo que irá lhes quebrar a espinha dorsal do corporativismo. Não é à toa que a maior proposta atual das Entidades, a “Carreira de Estado”, é exatamente a mesma proposta Governista de Gomes. Assim como um Governo ,para sobreviver, precisa se unir ao “Grande Capital” (empresas “campeãs do BNDES” que irão irrigar o Estado de propinas), para esse Governo ter controle sobre corporações precisa unir-se aos “grandes médicos”, “aos tubarões da medicina”, “aos empresários da saúde”. Portanto, se esta casta tem algum poder, este lhe foi outorgado, indiretamente, pelo Estado. Destarte, não será o mesmo Estado que irá resolver um problema do qual ele é a maior causa…
O Estado Brasileiro, ao contrário do que diz Ciro Gomes, não se atém a criar fiscalização para abertura de novos cursos ou residências médicas, que seria o papel precípuo de uma autoridade outorgada pelo contrato social que dá origem ao Estado. No entanto, o Estado real (que Ciro parece desconhecer) pelo contrário, interfere despoticamente, monarquicamente, sobre estas estruturas, regulando sua entrada (por má-informação, ou pura má-fé mesmo, Gomes diz que o Estado deveria regular – entrada de médicos – algo que ele já faz há décadas…). Por exemplo, estabelece cotas, bolsas, para ingresso, e até diz que , se o médico trabalhar para ele, Estado, durante algum tempo, tem o direito de tomar a vaga de um candidato que estudou e trabalhou arduamente por isto. Isso já é fascismo, o mesmo fascismo que Gomes planeja implementar, caso eleito…
4- A estratégia de Gomes é nitidamente nacionalista-fascista-estatizante: “Dar emprego estatal para o médico” para obrigá-lo a ir para o interior, “assim como é feito com os promotores”. Não explica, e nem quer explicar (pelo contrário, quer esconder) o real motivo da falta de médicos no interior : mais uma vez, culpa do Governo. Goiás, por exemplo, tinha hospitais particulares / filantrópicos em praticamente todas cidades do interior. Mas o Governo, na década de 80, mais uma vez , usou seu mecanismo de dumping: criou “hospitais regionais” para todo lado, o que quebrou a rede hospitalar não-estatal .Depois os hospitais estatais também fecharam ou se precarizaram (viraram “postinhos de saúde”), por causa da velha incapacidade gerencial. O povo, mais uma vez, ficou sem tico nem taco.
O artigo continua no domingo.
(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra)
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