Opinião

Réquiem de um ex-celgueano

Júlio Nasser

Publicado em 10 de abril de 2017 às 22:32 | Atualizado há 8 anos

Atentem-se para as notícias publicadas nos jornais de 1938 e 1946, onde se expressava a revolta da população goianiense ante a falta de um importante insumo para o desenvolvimento do estado: a energia elétrica.
Primeira: a esperada Usina do Jaó
“[…] o assunto que mais preocupa, a população desta capital é a ligação da nova usina hidroelétrica. Goiânia que já possui uma população superior a 10.000 habitantes, vive momento de ansiedade em torno do assunto do dia. São inúmeras as festas sociais que estão paralisadas, enorme e justo é, portanto o empenho de nosso povo para que se converta logo em realidade esse vultoso melhoramento de que muito se ressentia nossa bela capital.”
Segunda: Goiânia há 18 meses sem luz!
“[…] ultimamente, porém, adquiriu o Estado um conjunto termoelétrico muito desgastado que abastece precariamente diminuta parte da cidade enquanto a grande totalidade das ruas permanecem às escuras.” Mais adiante, enfatiza a reportagem: “o povo goianiense, tendo à frente a classe estudantina, conduzindo velas de sebo, promoveu uma grande passeata pelas ruas da capital protestando contra a indiferença com que os responsáveis tem encarado o problema.”
O acima exposto revela o quanto a falta de energia se constituía num imenso problema para a população goianiense naqueles distantes anos de 1930 e 1940. Sem nenhuma atratividade para os capitais privados, o Estado se fez presente. Sob a liderança de Pedro Ludovico Teixeira, de Juca Ludovico, foi fundada a empresa símbolo do desenvolvimento goiano: a Centrais Elétricas de Goiás.
A construção da Usina Hidroelétrica de Cachoeira Dourada não só tirou Goiás da escuridão em que vivia, mas também fez da terra da poetisa Cora Coralina exportadora de energia elétrica, a iluminar não só a incipiente Brasília, como também outros recantos do país. O sonho de um Goiás grande fez da energia elétrica um vetor básico ao nosso desenvolvimento. O pujante agronegócio e o Distrito Agroindustrial de Anápolis são fases visíveis desse progresso.
Da utopia veio o pesadelo iniciado nos anos 1980 até os dias de hoje, em que a CELG estatal se tornou privatizada. Nesse decurso, a CELG, dominada pela política com pê minúsculo, tornou-se refém daquilo que hoje o país presencia: as empreiteiras e suas obras superfaturadas. Coisas que a CELG vivenciou aos montes pelo Goiás afora. Era a fase cruel do patrimonialismo de Estado, materializada pela invasão do público pelo privado. Veio o Plano Real e o fim da correção monetária dos ativos. Sem receita, a CELG não só privatizou a Usina Hidroelétrica de Cachoeira Dourada, como fez a alegria da compradora chilena, ENDESA, por meio do contrato criminoso que obrigou a empresa a comprar energia a um preço exorbitante e que acabou transferindo quase um bilhão de reais de uma empresa pública para uma empresa privada. Desequilibrou-se as finanças da empresa e este desequilíbrio propagou-se ao longo do tempo e muito contribuiu para a privatização da CELG. Coincidência ou não, hoje, nas mãos privadas da Enel, proprietária não só da Usina Hidroelétrica de Cachoeira Dourada, está também a CELG privatizada.
Como formador de opinião pública, combati internamente, como também escrevi livros e artigos que estão aí para serem consultados por historiadores que registram os acontecimentos para as próximas gerações.
Ao escrever este artigo, vêm-me lembranças de um personagem co-participante na venda de Cachoeira Dourada, pois veio dele uma das chancelas na condição de diretor que originou o famigerado contrato de venda da usina. Estivemos atuando, sim, em lados opostos, este escriba e este diretor, que deveria estar enrubrecido pelo que fez . A ele me dirigo: meu caro diretor, não tive tempo de me despedir. O senhor, que está há tantas décadas na empresa desejo-lhe outras tantas de bons serviços a uma empresa privada. Convenhamos: bons serviços que à empresa pública CELG o doutor ficou muito devendo.

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