Opinião

Santas e guardiãs tecnológicas da ética e da justiça

Diário da Manhã

Publicado em 11 de agosto de 2018 às 21:45 | Atualizado há 6 anos

Nos al­bo­res des­se sé­cu­lo XXI, vi­ve­mos uma at­mos­fe­ra de mui­ta tec­no­lo­gia. Fa­la-se mui­to de re­la­ções so­ci­ais e cor­po­ra­ti­vas, têm-se mui­tas re­pe­ti­ções do ver­be­te éti­ca, mas, a ri­gor mui­tas trans­gres­sões éti­cas e mo­ra­is. Jus­ta­men­te ofen­sas a ela, A Éti­ca. Em ter­mos sim­ples, po­de­rí­a­mos de­fi­ni-la co­mo a boa ar­te da con­vi­vên­cia hu­ma­na. Ela tem um va­lor tão gran­de que ga­nhou ou­tros tí­tu­los. De­on­to­lo­gia, có­di­go pro­fis­si­o­nal, có­di­gos de con­du­ta, nor­mas de tra­ba­lho. Ga­nhou até no por­tu­guês, um an­gli­cis­mo mui­to re­pe­ti­do, co­mo tu­do im­por­ta­do, com­pli­an­ce.

As or­ga­ni­za­ções, em­pre­sas, ban­cos; mui­tas en­ti­da­des re­fe­rem-se ao vo­cá­bu­lo com mui­to gos­to e mo­dis­mo.”Com­pli­an­ce”. A Éti­ca, po­de não ser mui­to pra­ti­ca­da, mas, “com­pli­an­ce” é re­pe­ti­da a exaus­tão.

O co­me­ti­men­to de in­fra­ções éti­cas de nos­sa era di­gi­tal se tor­nou mais os­ten­si­vo jus­ta­men­te por cau­sa das tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção. Não é que as pes­so­as se tor­na­ram mais con­tra a éti­ca (an­ti­é­ti­cas). A ques­tão é que as di­fe­ren­tes ili­ci­tu­des pas­sa­ram a ser re­gis­tra­das, gra­va­das e de­nun­ci­a­das.

Em to­dos os ce­ná­rios da vi­da os ex­pe­di­en­tes e ati­tu­des de en­con­tro a Éti­ca se tor­na­ram ro­ti­nei­ras e exi­bi­das por di­ver­sos apa­re­lhos de mí­dia e de vi­gi­lân­cia. Nos tem­pos pré câ­ma­ras de ví­de­os, pré ce­lu­lar, pré in­ter­net, mui­tos atos ilí­ci­tos e de­li­ti­vos fi­ca­vam im­pu­nes por­que não se ti­nham pro­va ma­te­ri­al e ele­trô­ni­ca. Foi-se es­se tem­po. Quer pro­va mais ro­bus­ta da per­pe­tra­ção de um cri­me do que a gra­va­ção das ce­nas des­se cri­me? São ima­gens de­fi­ni­ti­vas e va­lem mais que os re­la­tos de to­das as tes­te­mu­nhas do fa­to.

Ocor­rem-me aqui dois fa­tos cri­mi­no­sos e de gra­ves in­fra­ções éti­cas, cu­jos re­gis­tros di­gi­tais des­mon­tam qual­quer de­fe­sa ou ar­gu­men­to em con­trá­rio, mui­to ru­im pa­ra os in­fra­to­res e ad­vo­ga­dos de de­fe­sa. São pro­vas ro­bus­tas e de cla­re­za me­ri­di­a­na.

O pri­mei­ro fa­to se deu no in­te­ri­or do Pa­ra­ná, quan­do uma jo­vem des­pen­cou do 4º an­dar do pré­dio on­de mo­ra­va. En­fim ,su­i­ci­dou ou foi as­sas­si­na­da, eis a ques­tão ini­ci­al . O ma­ri­do, sus­pei­to do as­sas­si­na­to, e res­pec­ti­vos pa­ren­tes afir­ma­vam ca­te­go­ri­ca­men­te que o su­jei­to não fa­ria tal atro­ci­da­de, en­fim, que era bom mo­ci­nho e da paz.

Ato con­tí­nuo, em pou­cos di­as a po­lí­cia ob­te­ve as gra­va­ções da che­ga­da do ca­sal ao pré­dio. O que se re­gis­tra é uma ses­são de tor­tu­ras, agres­sões e es­pan­ca­men­to; e su­pos­ta­men­te o lan­ça­men­to da ví­ti­ma pe­la ja­ne­la do pré­dio. Em con­clu­são , tem-se ali a com­pro­va­ção de um cri­mi­no­so e fe­mi­ni­ci­da da pi­or es­tir­pe. Não há pro­vas mais con­tun­den­tes e ro­bus­tas pa­ra que es­se san­gui­ná­rio cum­pra a pe­na que a ele se­rá co­mi­na­da (apli­ca­da).

Um ou­tro ca­so de gra­ves in­jú­ri­as éti­cas e mes­mo cri­me se deu no âm­bi­to da sa­ú­de pú­bli­ca RJ. Um fi­lho, com a mãe em es­ta­do emer­gen­ci­al, che­ga a um hos­pi­tal pa­ra ser so­cor­ri­da. Ini­ciou-se a pe­re­gri­na­ção do fi­lho cui­da­dor no mo­men­to de fa­zer a fi­cha de aten­di­men­to. E a pa­ci­en­te se con­tor­cen­do de dor e fal­ta de ar na ca­dei­ra de ro­das, a es­pe­ra de so­cor­ro.

A mãe já pré agô­ni­ca e o fi­lho em pâ­ni­co pe­din­do a pre­sen­ça de um mé­di­co. No de­ses­pe­ro, o fi­lho vai até ao in­te­ri­or da en­fer­ma­ria à pro­cu­ra dos mé­di­cos de plan­tão. De uma pri­mei­ra plan­to­nis­ta na­que­le hos­pi­tal, o fi­lho ob­te­ve a res­pos­ta de que só aten­de­ria a pa­ci­en­te (mãe) quan­do de pos­se da fi­cha vin­da da re­cep­ção . Ao avis­tar uma se­gun­da plan­to­nis­ta, es­ta es­ta­va sen­ta­da e ocu­pa­da, con­fe­rin­do as men­sa­gens de re­des so­ci­ais em seu smartpho­ne. Uma ocu­pa­ção in­com­pa­tí­vel na­que­le ce­ná­rio de tra­ba­lho.

Ou se­ja, aqui hou­ve vá­ri­as trans­gres­sões aos prin­cí­pios éti­cos e hu­ma­ni­tá­rios por­que em um con­tex­to de ur­gên­cia, pri­mei­ro so­cor­re o do­en­te pa­ra de­pois sa­ber seu RG, no­me, se tem pla­no de sa­ú­de ou SUS. Cons­ti­tui um de­ver ele­men­tar de qual­quer mé­di­co e hos­pi­tal (pú­bli­co ou pri­va­do) pres­tar so­cor­ro a quem cor­re ris­co de mor­te.

O des­fe­cho tris­te e la­men­tá­vel des­se se­gun­do ca­so é que a se­nho­ra veio a fa­le­cer. Tu­do con­ver­gin­do pa­ra um exem­plo tí­pi­co de omis­são de so­cor­ro. As ce­nas des­sas in­fra­ções e cri­me fo­ram gra­va­das pe­lo ce­lu­lar do pró­prio fi­lho. Ou se­ja, uma san­ta tec­no­lo­gia pa­ra pu­ni­ção des­ses gra­ves er­ros mé­di­cos. São as tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção a ser­vi­ço do ci­da­da­nia, da jus­ti­ça e da Éti­ca.

O que se po­de con­clu­ir com o aqui des­cri­to, con­cer­nen­te, ao con­cei­to de éti­ca e tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção é que mu­da­ram tam­bém o sen­ti­do de pri­va­ci­da­de, con­fi­den­cia­li­da­de e in­ti­mi­da­de. O con­jun­to das tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção, em nos­sos tem­pos di­gi­tais, re­pre­sen­ta “o gran­de ir­mão do bem” (big bro­ther). As­sim o ima­gi­nou Ge­or­ge orwel no seu li­vro Big Bro­ther. “O gran­de ir­mão ze­la por ti” ou o gran­de ir­mão es­tá te ob­ser­van­do” (Big Bro­ther is wat­ching you). Uma se­me­lhan­ça ao que pre­ten­dia Jo­sef Sta­lin. Cla­ro , que aqui um des­cri­ção de ti­ra­nia, de con­tro­le to­tal das atos do ci­da­dão, de des­res­pei­to ao ser hu­ma­no.

En­fim, co­mo con­clu­são, to­dos os ob­je­ti­vos das mí­di­as co­mo um ce­lu­lar, câ­ma­ras, smartpho­ne e gra­va­ções pú­bli­cas vi­e­ram pa­ra o bem das pes­so­as de bem e pa­ra o mal das pes­so­as do mal. Se o in­di­ví­duo tem a vo­ca­ção pa­ra a prá­ti­ca do que é lí­ci­to, jus­to e éti­co, que di­fe­ren­ça lhe fa­rá ser to­dos os seus atos e ati­tu­des gra­va­das em ví­de­os e áu­di­os pú­bli­cos ou pri­va­dos? Ne­nhu­ma, por­que ele pra­ti­ca um ato de acei­ta­ção uni­ver­sal, bem vis­to e acei­to por to­dos.

Ago­ra, os mal­va­dos, os tram­bi­quei­ros, os in­fra­to­res e cor­rup­tos de to­da or­dem de­vem sim, es­tar in­co­mo­da­dos e pre­o­cu­pa­dos com os seus atos por­que tu­do po­de es­tar sen­do re­gis­tra­do em câ­ma­ras vi­gi­lan­tes co­mo o ce­lu­lar de al­guém. Em no­me da jus­ti­ça, do ci­da­dão de bem , da Éti­ca; vi­vam as san­tas tec­no­lo­gi­as da in­for­ma­ção e das gra­va­ções. Agos­to/2018.

 

(Jo­ão Jo­a­quim – mé­di­co – ar­ti­cu­lis­ta DM fa­ce­bo­ok/ jo­ão jo­a­quim de oli­vei­ra www.drjo­ao­jo­a­quim.blog­spot.com)

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