Sociedades seguradoras: proteção… dos lucros
Diário da Manhã
Publicado em 28 de fevereiro de 2018 às 00:03 | Atualizado há 7 anosO Brasil é hoje cenário de um intenso debate acerca de seu mercado de seguros. Nos polos opostos dessa contenda estão, de um lado, as sociedades seguradoras tradicionais. De outro, as iniciativas sob a forma de cooperativas e associações mutualistas.
As primeiras querem manter o privilégio de serem as únicas legalmente autorizadas a atuar no mercado de proteção patrimonial, status garantido pelo Decreto-Lei nº 73, de 1966. As segundas almejam ter o mesmo status legal, por meio da alteração do dispositivo legal que as proíbe de exercer atividade nesse nicho de mercado.
Nesse contexto, surgiu, em 2015, o Projeto de Lei nº 3139, de autoria do deputado federal e atual presidente do Sindicato de Corretores e Empresas de Seguros de Goiás (Secor-GO), Lucas Vergílio. Ao invés de atualizar a lei para que o mercado de seguros no setor de proteção patrimonial seja democratizado e estruturado nos termos de uma economia de tipo verdadeiramente capitalista concorrencial, o PL 3139 prevê o fortalecimento dos mecanismos repressivos do caduco DL 73/66.
Uma das principais críticas dos defensores da continuidade do monopólio das sociedades seguradoras no campo da proteção patrimonial é o argumento segundo o qual as cooperativas e iniciativas mutualistas não reúnem condições de garantir a cobertura total de seus sinistros. Em termos mais simples: quem pretende, por exemplo, segurar seu veículo por meio de uma cooperativa corre o risco de não ter seu risco coberto. Já as seguradoras, que possuiriam a expertise técnica e os mecanismos financeiros eficazes o bastante para financiar esse risco, seriam as únicas a garantir integralmente a cobertura dos sinistros sob sua responsabilidade.
Ocorre que essa realidade já caiu por terra no Rio de Janeiro. Nessa unidade da federação, a crise instalada no setor de segurança pública resultou em um aumento de 33% no roubo de veículos, entre janeiro de novembro de 2017, em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. Atualmente, ainda de acordo com o ISP, a cada dez minutos, um carro é roubado no Estado.
Qual foi a reação das sociedades seguradoras? Em primeiro lugar, aumentaram consideravelmente o valor dos contratos, a ponto de o proprietário de automóvel desistir de fechar negócio. Em segundo lugar, suspenderam a contratação de novos seguros para veículos registrados no Rio de Janeiro. Grandes empresas do setor, como Mapfre, Tokio Marine e BNP Paribas Cardif, enviaram um comunicado aos corretores de seguros dizendo que veículos cadastrados com endereços do Rio de Janeiro não estariam mais elegíveis para o seguro de automóveis. E a negativa para novos contratos se estende a várias localidades da Região Metropolitana que ficam próximas a favelas.
A reação do altivo e orgulhoso grupo econômico foi uma tímida exortação para que o Governo Estadual do Estado do Rio de Janeiro tomasse vagas providências para, em uma perspectiva temporal indefinida e nebulosa, resolver a crise da segurança pública.
O que resulta disso para os clientes das sociedades de seguros do Rio de Janeiro? Primeiro: há um risco enorme de que seu automóvel seja roubado. Segundo: quem desejar se proteger desse altíssimo risco não poderá contratar uma companhia de seguros porque não consegue arcar com o altíssimo valor cobrado pela proteção. Terceiro: quem já possui seguro veicular não terá a cobertura renovada, salvos raros casos em que a renovação automática tem previsão contratual.
No entanto, há uma alternativa: o proprietário de veículo carioca pode recorrer a uma cooperativa. Entretanto, ele precisa saber que, no Congresso Nacional, esse mesmo grupo econômico privilegiado, que deixou de atendê-lo no momento em que mais necessitava, luta pelo “direito” de continuar a explorá-lo em momentos de tranquilidade para deixá-lo completamente desassistido em momentos de aguda crise. Essa é a “proteção” que as sociedades seguradoras vislumbram para o mercado de seguros no Brasil.
Por esse motivo, reforçamos os argumentos que temos defendido: o mercado de seguros no Brasil necessita ser democratizado. Seu novo perfil deve ser o da existência de uma gama variada de escolhas para o consumidor, com propostas mais adaptadas às incertezas da economia e aos atuais altos níveis de insegurança enfrentados pelo cidadão. Nesse sentido, iniciativas organizadas sem visar ao lucro e formadas pelos próprios segurados, a partir de modernas técnicas atuariais para a cobertura de riscos podem evitar cenários deploráveis como aquele visto nesse verdadeiro holocausto que se tornou o mercado de seguros no Rio de Janeiro.
(Aurélio Brandão, fundador da Auto Bem Brasil e cofundador e vice-presidente da Agência de Autorregulamentação das Associações de Proteção Veicular e Patrimonial (AAAPV))
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