Soja, rainha do agronegócio brasileiro (II)
Diário da Manhã
Publicado em 9 de fevereiro de 2018 às 23:24 | Atualizado há 7 anosA soja, milenarmente conhecida, cultivada na China, como feijão soja, é alimento substancioso, tão substancioso, que era e ainda continua sendo, no interior daquele país, conhecida como carne vegetal, isto, em virtude de seu alto valor proteico. No século XX, com o aumento populacional, modernização dos meios de transporte, mecanização agrícola, correu mundo se destacando nos Estados Unidos, que se tornou, o maior produtor mundial da cultura. A princípio, também, maior exportador do planeta, entretanto, esse lugar, hoje, é do Brasil, cuja produção atual se rivaliza com ele, mais de 100 milhões de toneladas, ano. Em nosso país, a cultura, seu cultivo, começou no Rio Grande do Sul, desenvolveu com exuberância ali, e nos estados limítrofes, alcançando na década de setenta a região centro oeste, onde entrou através de Goiás.
Entretanto, leitor, em meu artigo do último sábado, discorria sobre o cultivo de algodão, tendo como polo, na época, o município de Santa Helena, onde, embora o interesse crescente pela cultura, com excelente cotação no mercado internacional, todavia, a dificuldade de classificação do produto, in natura, no estado produtor, passou a constituir obstáculo a sua expansão. O desafio coincidia com os preparativos do governo do estado, em interação com o governo federal, ministério da agricultura para a grande arrancada de incorporação do cerrado, no processo produtivo do Centro-Oeste. A História se repete, o desafio de novo resolve-se um problema, eclode muitos outros, como produção de calcário, sementes de qualidade: soja, milho, arroz, feijão, sorgo, o melhoramento zootécnico do rebanho.
O amanhecer do dia colocou-me atônito: articulações com cotonicultores, lideranças, autoridades, técnicos, para a inauguração do serviço de classificação. A presença anunciada do Ministro da Agricultura, governador, teria que ser coroada por cerimônia de tirar o chapéu, pensava eu. A minha condição de menino da roça, novel profissão de veterinário no estado, era eu, o primeiro a assumir o comando da política agrícola, assoberbava-me, o que, me induzia a concitar, incessantemente aos meus colegas assessores, a ação levando alguns a ficarem agastados. Ao amanhecer, quando o sol dourou, sobreveio a recordação, o tempo de meninice de roça, a gente danava e acabava indo no carro de bois, quase sempre, conduzido por meu pai, buscar feijão, em rama, para ser batido na porta da propriedade. Naquele tempo, toda a produção necessária à alimentação da família era plantada, colhida, pelo proprietário, chefe da casa. Todavia, voltando à cerimônia, valeu leitor, o esforço, o ato solene, superou a expectativa, foi brilhante, tantos participantes que não couberam no salão, lotou, de dentro e de fora do prédio.
Dessa forma, o Ministro teve que cortar fita simbólica no interior, e discursar do lado de fora. De modo altivo, iniciou seu discurso assinalando o calor ambiental da hora, mais de meio dia, muito mais exaltou, o calor humano, oriundo da vibração dos participantes, ofuscando o outro, destacou a importância do ato de classificação do algodão, para valorização da comercialização, foi incisivo no tocante a presença permanente, austera do ministério da agricultura, na luta pelo desenvolvimento agropecuário, concitou à participação corajosa dos cotonicultores, na luta do governo federal, governo da revolução democrática, pela construção de um novo Brasil. A solenidade, não terminou ali, continuou no palácio, em almoço oferecido, pelo governador Leonino Caiado. Estreitou ela, ainda mais, laços de compromissos em torno da política agrícola que nascia, nascia arrojada, buscando a incorporação do cerrado, no processo produtivo nacional, substituição da agricultura de subsistência, arcaica improdutiva, pela agricultura de mercado, moderna, como se provaria de alta produtividade, diversificada, nada devendo ao primeiro mundo, no que tange aos avanços tecnológicos.
Com efeito, essa política nascente preparava o terreno para exportação, alimentada pelo Agronegócio, ainda embrionário, crescia nas intenções sobre puxada pelo mercado internacional, com as culturas de soja e milho, de cerrado, no nascedouro, mas, puxando o cambão. O tempo assinalava período de transição, fim de uma colheita, inicio de preparativos de outra, novos desafios teriam que ser, com altivez, destemor, enfrentados, afim de assegurar, o bom desempenho da safra vindoura, safra essa calcada na infraestrutura em montagem, fundada no propósito de governo inovador, cheia de novidades.
De modo efetivo, leitor, os moinhos de calcário, cerca de quatro já funcionando, embora o caráter pioneiro, provisório, pois, o objetivo era, como já dito, abrir caminho para a iniciativa privada, como de fato, cumpriram sua missão. Com eles, onde até então o cultivo tradicional era a monocultura do arroz de sequeiro, o cenário começaria a ser mudado, com a diversificação, seja subsidiado pelos ensaios: Fao/Anda/Abcar/Acar-Goiás, seja subsidiado, pelos novos insumos, alavancados pela crescente mecanização, calcário, sementes inovadoras, como a soja e o milho de cerrado, o sorgo, ainda uma incógnita, decorrente de cultura estranha, sobrepujada pelo milho, seja pelo incentivo à incorporação do cerrado, a cada novo hectare plantado, você ganhava outro.
Entretanto, a cultura da soja, ainda permanecia ausente da safra, safra em final de colheita, mas, a toda hora, era questionada pelos produtores, no que diz respeito às sementes para plantio, empenho no seu cultivo, desejo mor em plantá-la, enquanto, o mesmo, não acontecia com o sorgo. Outro incentivo, a proximidade da capital federal, muito me facilitou na conquista de apoio financiamento de projetos extras, desde quando era diretor executivo, presidente da Acar-Goiás, muitos brincavam ou gozavam, sugerindo a montagem de uma barraca em Brasília. Eu, sempre interagindo, indagando sobre a viabilidade de financiamento de um, ou outro projeto, que somassem aos em curso, acelerando o crescimento socioeconômico de Goiás.
Foi assim, indagando, conversando, que consegui integração do estado na campanha de vacinação contra a febre aftosa e brucela bovis, bem como, financiamento do BID para sua implementação. A doença, em especial, a aftosa, infectocontagiosa, infernizava o rebanho goiano. Existia oficiosamente, uns poucos veterinários vinculados a secretaria, sem contrato, fazendo a vacinação de forma precária. As nossas constantes visitas ao, então, diretor de defesa sanitária animal, meu colega, veterinário, Ubiratan Mendes Serrão, foi, com o ir e voltar, como o do extensionista municipal, formando a ponte de mão dupla, e, deste modo, assistência ao grupo de vizinhança, comunidade, colhendo, ao final de algum tempo, resultados, por meio de seus ensinamentos, de igual forma, colhemos resultado salutar, para a comunidade goiana. O ministro Cirne Lima, já se encontrava sensibilizado pelo trabalho que fazia em interação, estreita identificação, com a política agropecuária de seu ministério, no entanto, a mão forte do diretor da campanha nacional, foi vital, decisiva. Fazia coro, se misturava, confundia, com o discurso caloroso pronunciado durante a inauguração do serviço de classificação de algodão, de igual forma, as palavras do diretor da campanha, foram calorosas. Deveras, assim se expressou: “Essa é também, uma deferência, secretário, associada intimamente ao fato de ser eu presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária e, você, coincidentemente, presidente da Sogove – Sociedade Goiana de Veterinária, alheia ao setor público, mas intimamente, identificada com a causa pública.” Ao final, entregou-nos o roteiro do projeto e concedeu trinta dias para entrega do documento elaborado, pronto, que passaria a orientar a campanha, junto aos pecuaristas. O trabalho foi feito pelo grupo, chefe da coordenação da campanha, meu colega e ex-aluno, na escola de veterinária, onde fui professor pioneiro, Celso Velasco. Uma vez oficializada, urgia torná-la presente, em todos municípios. Para isto, numa primeira arrancada, contratamos sessenta profissionais, incluso os quatorze que já vinham trabalhando, no entanto, informalmente, de forma precária, sem apoio logístico do BID.
Outrossim, passando de uma frente de ação, para outra, o cenário acalentava uma política agrícola pusilânime, acanhada, na área de pesquisas, carecia, o estado, de pesquisas que acelerasse o aumento de produtividade agrícola e pecuário. Os pesquisadores existentes eram poucos, a pesquisa incipiente, embora, impulsionada, com os ensaios: Fao/Anda/Abcar. O estado, grande, o quarto da união, mais de seiscentos e cinquenta mil quilômetros quadrados, outros estados com a febre de criação da Embrapa haviam instituído suas empresas, entre os quais, Minas Gerais e Espírito Santo. Contudo, antes de levar ao governador a proposta, resolvi amadurecer mais o assunto que considerava de magna importância. Nisto, veio a lembrança, vivida alguns anos passados, de hasteamento de bandeiras, numa estação de pesquisa de um Condado, no estado do Texas. O presidente da Estação hasteou primeiro a bandeira do Texas, para, em seguida, alçar a dos Estados Unidos, questionado sobre a inversão de ordem de hasteamento, alegou que o estado do Texas ingressou de livre e espontânea vontade aos EUA, assegurando, de igual forma, seu direito, liberdade, de sair da União, livremente, consoante sua vontade soberana.
Esse hábito, arraigado ao senso comum, de fazer tremular primeiro a Bandeira do Texas, perenizou no coração do povo texano, chama viva, no tocante, a filiação, ou desfiliação. Continuando em suas eloquentes palavras, enfatizou a importância da pesquisa na busca de produtividade e prosperidade dos EUA, elegendo-a carro chefe de todo desenvolvimento. Essa lembrança, vinha ao encontro, reforçava, aumentava a convicção da imperiosa necessidade da empresa de pesquisa agropecuária, em Goiás, afim de assegurar, assegurar sucesso maior nas culturas comunais, e, principalmente, a de soja, estranha no estado, mas a cada dia, mais desejada, com maior intenção de plantio, da parte dos produtores. Esse propósito, acentuou mais ainda, em reunião que participei no Sudoeste, com mais de uma centena de agricultores, para expor as intenções de governo, em termos de política agropecuária, no ano agrícola entrante, no qual as ferramentas estavam afiadas, untadas, para a grande arrancada, em 1973.
Ao expor, colher informes, para o plano de safra em interação com a carteira agrícola do BB, a CFP – Comissão de Financiamento da Produção e o Ministério da Agricultura, amadureci a convicção. A cultura da soja foi vedete na reunião, a mais procurada, questionada, impulsionada pelo mercado internacional. Todavia, as sementes tinham que ser trazidas do Rio Grande do sul. A grande disposição de produtores vindos, de lá, para cultivar o cerrado aqui, com a cultura da soja, levou-me a abreviar viagem aquele estado, ver cultivares sementes, que viriam a ser, com o correr dos anos, a rainha do agronegócio brasileiro. A história continuará no próximo artigo leitor, no mesmo dia: sábado.
(Josias Luiz Guimarães, veterinário pela UFG, pós-graduado em filosofia política pela PUC-GO, produtor rural)
]]>