Soja, rainha do agronegócio brasileiro (IV)
Diário da Manhã
Publicado em 2 de março de 2018 às 22:50 | Atualizado há 7 anosContava eu, no último artigo, sobre a soja, rainha do agronegócio brasileiro, a história dos clubes 4-S formados por filhos, filhas de produtores rurais, e, destinados a prepará-los na condição de agricultores, criadores, para a vida adulta, futura, capacitando-os, por meio do “fazer fazendo”, para o manuseio de tecnologias avançadas, com vistas ao aumento de produção ou renda, e, assim, melhor padrão de vida. Assim, o menino, menina rural era levado a participar, sem prejuízo de sua vida escolar, de projetos de agricultura e pecuária, economia do lar, competindo uns com outros, em termos, saudáveis. As demonstrações de resultados eram realizadas para obter, maior produção por área plantada, e, assim, melhor renda nos negócios. As DRs preferidas pelos meninos, jovens rurais, eram de cultivo de milho, milho, no começo, em terra fértil, cultura, onde o cultivo tradicional levado a cabo pelos agricultores era de baixa produtividade: dois mil e quinhentos a três mil Kg, hectare.
Orientados pelos agentes de extensão rural, os jovens dos clubes 4S conseguiam produzir de 6 a 8 mil Kg de milho, por hectare, o que passou a intrigar agricultores afeiçoados a lavoura tradicional, de subsistência. Entretanto, a área de uma DR variava de quinhentos a mil metros quadrados, enquanto que, as lavouras tradicionais, mesmo culturas de subsistência, eram muito maiores. Pois bem leitor, isto levava os cultivadores tradicionais a questionarem o tamanho da DR, ou seja, área pequena, em relação a usual na lavoura tradicional, destinada ao abastecimento da propriedade familiar. Logo a seguir, com a introdução do milho de serrado foi possível derrubar toda sorte de dúvidas, com o cultivo em grandes áreas, lavouras mecanizadas, usando tecnologias modernas, como faziam os 4S, em pequenas áreas. O mesmo passou a acontecer com outras culturas. Ao calcário, somava-se o adubo composto, NPK, sementes de qualidade, espaçamento correto, ruas, quantidade de semente, por área, combate a pragas.
Enfim, atendendo a expectativa que o título ostenta, a lavoura de soja feita com semente vinda do Sul, carecia de mais cuidados, ainda, do que outras culturas. O primeiro ano de plantio, creio 1971, foi cercado de otimismo pelos sojicultores, tanto é que, no segundo cultivo a área plantada foi quase o dobro, ultrapassando três mil hectares, já no ano seguinte a curva inverteu, caiu abruptamente. Os sojicultores alegavam produção, por hectare, inferior à do estado de origem. Além do mais, a cultura nascente tinha que percorrer em torno de mil Km, carregada em caminhões, para ser industrializada ou exportada, via porto de Santos. Susto grande, impacto desalentador aos pioneiros, desarranjo na lucratividade, principal atrativo de qualquer negócio, seja no setor primário, secundário, terciário ou comercial.
De repente, ceticismo, no tocante a grande esperança depositada na lavoura, cultura, que projetava ser a rainha do agronegócio brasileiro: A soja. Seria, a bendita semente, que, aqui, refugava, ou o solo de cerrado inadequado a cultura? E o clima, o de lá, mais frio, o daqui, mais quente, o que fazer? A Emgopa, Empresa de Pesquisa Agropecuária, recém-criada pelo governo, tendo eu como primeiro presidente, ocupando assim, os dois cargos, o de secretário de estado da agricultura e o de presidente da Emgopa. Coube a mim, nesta condição, implantá-la, tendo como objetivo mor, resolver, pela pesquisa, imbróglio dessa natureza e outros desafios, na mesma linha. Entretanto, ocupando as duas funções, considero oportuno salientar, que recebia, apenas, o salário de secretário da agricultura. O mesmo aconteceu, quando professor da Escola de Veterinária. Além de uns poucos pesquisadores da secretaria, absorvidos pela Empresa, contratamos vários técnicos vindos de outros estados, naquela época, as escolas
de agronomia e veterinária, recém criadas pela UFG, não tinham tais profissionais formados. Entre os contratados, de fora, havia alguns com nível de mestrado, destes, a tarefa de coordenação da pesquisa sobre a soja, coube ao Mister Science: mestre em fitotecnia, Alberto Vasconcelos. Uma vez confiada a ele, a nobre e espinhosa missão, passou a dedicar, com esmero, corpo e alma, a pesquisa de cultivares de soja, procurando conhecer a causa da produtividade inferior, açodava, mais do que tudo, o fito mor de resolver o desafio, encontrar variedades tão, ou mais produtivas, do que as do São Pedro do Rio Grande do Sul. Inolvidável, a contribuição da novel empresa pesquisadora, mais ainda, a do fitotecnista, abnegado Vasconcelos. Pois, trabalhou, com afinco, dedicação à causa, trabalho altivo, o ganhar tempo intensificando o ciclo produtivo, levou a Emgopa a lançar no mercado, cinco variedades de sementes de soja, de igual forma, com 10 a 20%, mais produtivas do que as oriundas do citado estado.
Note bem leitor, as sementes, cultivares, oriundas do Sul produziam aqui, de 10 a 20%, a menos do que lá. Incrível, semelhança ou coincidência! O cultivo da rainha, de novo, ganhou fôlego, faltou no segundo ano sementes, mas o ganho de produtividade correu mundo, despertando muita gente interessada em multiplicar a produção das inolvidáveis e benfazejas variedades de feijão soja. Entra em cena a iniciativa privada, aumentando a oferta de sementes: Emgopa, 1, 2, 3, 4, 5. A causa da diferença de produtividade, embora haja, mesmo hoje, celeuma, foi atribuída a duas variáveis: menos luminosidade, menos calor, no Sul, mais calor, mais luminosidade no Centro Oeste.
No entanto, não importa a causa, mas sim, a imediata disposição em vencer o desafio, obtendo, como corolário a benfazeja solução. A produtividade, ligeiramente superior as sementes do Sul, de 10 a 20%, na realidade, vem a ser o dobro, vez que, no Centro-Oeste, as de lá produzia, como dito, de 10 a 20%, inferior. Portanto, o impacto foi grande nas intenções de plantio da cultura, com as variedades Emgopa. Urgia acionar dispositivos que viessem suprir a demanda dessas alvissareiras variedades, aos produtores. Um deles, foi a mobilização, por meio da irrigação, no entanto, sobrepujando outras culturas, o universo, desejo mor de plantio, gerou, não raro, especulação de preço, e, dessa forma, reclamações dos produtores inconformados com a baixa oferta e, respectivos preços especulativos, dessa forma, inibindo à expansão da cultura, embora ela, ainda, tivesse longe de liderar a respectiva ostentação de soja, rainha do agronegócio brasileiro, como, ascenderia, alguns anos depois, atilada pelo mercado internacional, estrela do reino vegetal.
Foram essas cinco variedades Emgopa, que abriram as portas do centro-oeste, passando por Goiás, ainda quarto maior estado da união, ao pleno cultivo da esfaimada leguminosa, vincando as fronteiras da região, pois, avançou, vertiginosamente, pelo, hoje Tocantins, ontem Goiás, Maranhão, Pará, Piauí, oeste do estado da Bahia, Triângulo mineiro. Conforme exposto, singrou meio Brasil. Creio, salvo juízo, mais acurado que, as cinco pioneiras se ajuntaram, mais de três dezenas de Emgopa, chegando ao todo quarenta e cinco, contudo, não se pode ignorar que, outras variedades, incluso, as da benemérita Embrapa, de forma que, outros cultivares pululam por essa imensidão afora, nela, as transgênicas, variedades precoces, encurtando o ciclo produtivo, diminuindo riscos, assegurando, a cada safra, novos recordes de produtividade, animando, em meio a atual republica, lambuzada de corruptos e corruptores, a esperança de milhares de sojicultores, enfrentando toda sorte de vicissitudes, verdadeiros heróis anônimos da nação brasileira.
A atividade primária: lavoura e criação, deveria receber mais apoio, carinho dos atuais gestores públicos, consoante determina o artigo 187 da magna constituição, em suas alíneas II
e III, preços compatíveis com os custos de produção. São produtos gravosos, sujeitos a picos violentos de oferta, em espaços curtos de tempo, alta perecibilidade, aproveitando-se dessa circunstância, os intermediários, especuladores, aviltam os preços no auge das colheitas, passando a perna nos produtores, criadores, geradores dessa imensa riqueza, alimentadora do agronegócio. De forma diferente dos minérios, os minérios não dão duas crias, a agricultura, pecuária, pode gerar até quatro crias num único ano. Além do mais, enquanto o período de maturação da agropecuária é curtíssimo, planta-se hoje e colhe amanhã, a indústria demanda, precisa, de vários anos para frutificar.
Então leitor, a soja frutifica em curto espaço de tempo, podendo ofertar três crias, safras, num só ano, para tanto, carece de uma política agrícola maiúscula, positivista, que, realmente incentive os sojicultores, mostrando a luz no final do túnel, investindo em pesquisa, facilitando crédito, boicotando os especuladores. Continuaremos, no outro sábado, com uma história da agropecuária goiana: soja, rainha do agronegócio brasileiro.
(Josias Luiz Guimarães, veterinário pela UFMG, pós-graduado, em filosofia política, pela PUC-GO, produtor rural)
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