Soja, rainha do agronegócio brasileiro (V)
Diário da Manhã
Publicado em 16 de março de 2018 às 23:03 | Atualizado há 7 anosA lavoura de soja ensaiada no cerrado encontrou, como visto no começo, obstáculo, no entanto, uma vez contornado, mais do que aclimatou, com as variedades produzidas aqui, pela então, Emgopa, se naturalizou. Ele cerrado, que só servia para o gado pastar na seca após as queimadas, naquele tempo, asfixiando o progresso das cidades, mudou de postura, passou a construir sua prosperidade. Espanto filosófico? Não senhor! A soja, sempre na dianteira, o milho logo a seguir, na sua esteira, a princípio, os reveses das sementes e a ignorância, no tocante à tecnologia, a desconfiança no pó milagroso, a desconfiança no cultivo de sorgo, terceiro componente, na constituição do trio diversificador. Por tudo isto, urgia exorcizar o ceticismo, então, entra em ação a política de incentivos do governo federal: Ministério da Agricultura – Governo do Estado – Secretaria da Agricultura, ousada no crédito rural, como instrumento de promoção da produção e produtividade, encorajando o desbravamento do cerrado no imenso Centro Oeste, com o concurso do pó milagroso, o calcário, complementado com adubo químico. Além do mais, essa ousadia era mais animada ainda pela cobiça, procura dos mercados nacional e internacional, tendo como resultante final, o progresso das cidades interioranas, antes, marginalizadas. Magia, milagre! Não leitor! Corolário da ação corajosa de produtores rurais, gente simples, mais aguerrida, que fez e continua fazendo história, construindo, de forma ordeira, laboriosa, a grandeza vertical: desenvolvimento, bem-estar de seu município, estado e país, desse modo, verdadeiros heróis anônimos.
Entrementes, as lavouras, para não judiar, degradar o solo: o solo constitui a herança mais valiosa que recebemos, como dádiva da mãe natureza, protege-lo contra a degradação é exercitar, em seu mais alto grau, a cidadania, preservando-o para as gerações vindouras, têm que ser submetidas a um contínuo processo de rotação. Por isso, na sua esteira vieram lavouras diferentes, entre as quais, as exuberantes pastagens, subsidiando o crescimento vertiginoso de outra riqueza, também, alimentadora do agronegócio, a pecuária bovina, componente substancioso da política agropecuária conduzida, pela secretaria da agricultura em interação com Ministério da Agricultura. A Exposição Nacional de Campeões, uma promoção do Ministério com o Governo do Estado, Secretaria da Agricultura foi instituída com o magno propósito de melhorar a qualidade do rebanho bovino da região Centro Oeste, como a ciência, por meio da tecnologia vem melhorando a produtividade da lavoura de cerrado. Por isto, sua realização anual foi confiada ao Governo Estadual, no caso, a Secretaria da Agricultura, o alvo mor, necessariamente, bovinocultura dos trópicos, todavia, abarcava também, o melhoramento da pecuária leiteira, ainda incipiente na região.
Para assegurar sucesso, o governo federal criou, como já mencionado, programas especiais como: PIM, Proterra, Polocentro, incentivando o melhoramento, tanto da pecuária de corte, como de leite, formação de pastagens, construções rurais. O Governo, aproveitando a proximidade da capital combinada com a amplidão dos programas de financiamento, determinou a modernização, melhoramento, do atual parque de exposições, destinado a abrigar a Exposição Nacional de Campeões. A Suplan, presidida pelo engenheiro Rubens Guerra, coube a construção do novo parque, ocupando o lugar do antigo, feito pelo saudoso Altamiro Moura Pacheco. E a mim, na Secretaria da Agricultura, coube a desapropriação da área anexa, o dobro do antigo parque, e indenizar as famílias invasoras, num total de oitenta e uma. Às vezes, comprar nova moradia, alhures e, ainda, levá-la para o seu novo lar ou casa. Tudo tinha que ser feito, conforme a lei, para evitar transtornos ao governo. Invasor por invasor, foi escriturado em cartório, isto, após o acordo, quase sempre demorado, sem abuso, de um lado ou de outro. Uma única casa, prédio de dois andares, foi comprada, pois o dono, colega meu de turma do inesquecível Liceu de Goiás, preferiu vender o imóvel, embora tenha ficado meio agastado. No entanto, o terreno, como os demais era público, bem do estado. No acordo de compra e venda, usou-se a dialética encadeada: tese, antítese e síntese, uma síntese, de certa forma, harmoniosa, sem altercação, acordada por ambos os lados.
A exposição, como o nome indicava, tinha que contar com a participação de bovinos raçadores de qualidade. O diretor de exposições, meu colega José Magno Pato, veterinário, douto em zootecnia, de certa forma, não gostava de viajar conosco, em busca de pecuaristas para a exposição que prometia ser inaugurada, como maior evento agropecuário do país, quiçá, da América. Sem dúvida, devido a nossa pressa inata. De certa forma, isto era bom, vez que, dado seu conhecimento de zootecnia, sua presença no Parque, quase que, permanente, era necessária. Ele e uma equipe valorosa da então Acar-Goiás, ali, já trabalhando, intensamente, nos preparativos da amostra que viria superar a já famosa expo-zebuína de Uberaba. O governador, havia convencido o grande zebuzeiro, Torres Homem, a trazer à Exposição Nacional de Campeões, o touro Shumak, descendente do Kárvad, campeão dos campeões da raça nelore, bem como, suas Rubico de Carvalho, tanto ali, como em dourados, Mato Grosso do Sul. Assim, montado num avião monomotor bonança, ora com a companhia de pecuaristas da terra, ora sozinho, com o comandante Paluan, ora com o comandante Guib, nas idas a Uberaba, como Sebastião Mota, Aldemar Câmara, João Yano, Constantino, nestas últimas, no avião oficial, do próprio governador, com o objetivo de conseguir, como de fato conseguimos, da ABCZ: Associação Brasileira de Criadores de Zebu, delegação, para realizar, o tão almejado controle, em Goiás.
Uberaba, pela excelência do rebanho, já era considerada maior centro mundial de criação do Zebu. Em Goiás, havia desânimo entre os criadores, tinham que ir aquele Centro, para registrar suas crias. Estradas longas, maior parte, sem asfalto, a demora, custos, induziram a reivindicação. Dessa forma, foram várias viagens, seguidas de reuniões, para lograr a benfazeja delegação do presidente João Gilberto Torres e seus diretores. Custosa, tão custosa, que acabei recebendo dele, o oficioso título estrambólico de “Tirador de Freira de Convento”. Isto, por causa da minha persistência incisiva, em todas as reuniões, bem como, a relutância da Diretoria em concedê-la. Não obstante os esforços, teimosia, só na quarta viagem, já véspera da primeira Exposição Nacional de Campeões, entreguei o veredicto ao governador, com respectivas exigências. De forma que, o dito controle, não poderia ser feito por escritório sediado na secretaria, como se queria. Os criadores de gado registrado tinham que fundar uma associação, e, a essa associação, seria, feita, mediante acordo, a delegação, oficialmente, para proceder, realizar, controle genealógico, somente, do rebanho goiano. Hurra! Imediatamente, mobilizamos, por meio dos criadores que participaram, conosco, das reuniões de Uberaba, a classe, para a respectiva assembleia geral de fundação. Aprovada, por unanimidade, pela assembleia, recebeu o nome de AGCZ: Associação goiana de criadores de Zebu. Passou ela, logo que registrada, fazer o controle genealógico do rebanho dos criadores de gado Zebu, no estado. O presidente eleito foi o pecuarista intimorato, altivo, Sebastião José da Mota.
Voltando a soja, rainha do agronegócio brasileiro, transposto os reveses decorrentes das sementes, liderou todas as demais culturas no cultivo do cerrado, seguida pelo milho, ainda hoje. De sorte que, mesmo tendo que caminhar pelo transporte rodoviário, mais de mil Km para ser esmagada ou industrializada, e, o mar, em Santos, para ser exportada começou na liderança e prosseguiu célere, campeã, no agora, embora a política encetada pelo Ministro Luiz Fernando Cirne Lima e seguida pelo Ministro Alisson Paulinelli, ambas estrelas, nuca sobrepujadas por outros governos, tenha sofrido abrupta mudança na década de oitenta com o governo do presidente João Figueiredo tendo como ministro da agricultura o economista Delfim Neto. Durante esse governo ficaram famosas as frases “Eu prendo ou arrebento” no tocante a intenção de sequestrar boi no pasto, face a recusa de criadores em aceitar preços impositivos, ou, abater seu gado antes da idade ideal, o mesmo viria acontecer, com o desabastecimento do país, em outros alimentos, de igual forma, vitais à mesa da sociedade consumidora, provocado pela política obtusa levada a cabo, pelo mesmo ministro, senhor Delfim Neto, ensejando frases jocosas como essa: “Plante e coma se não o João toma”. Aliada a essa, outra frase: “Plante que o João garante”, crítica ferrenha da imprensa da época, de certa forma, decorrente do contrassenso do governo: na primeira, confisca, na segunda, concita a plantar, na realidade, havia a necessidade de produzir mais, aumentar a lavoura, contrastando com a descrença dos agricultores, provocada pela mudança das regras do jogo, na política agrícola. Imagine você, parcela considerável endividada, outra tendo a propriedade empenhada no banco, sendo obrigada a vende-la para quitar a dívida. De repente, a agricultura antes pujante, por falta de visão do próprio governante, amuou cambaleante. Em meio a uma inflação renitente, caminhando para o galopante, a cultura da soja, sobrepujada pelo mercado internacional, sobreviveu melhor a quebradeira acossada pela política caolha, enquanto ela, a cada safra, era mais e mais instada pelo preço do mercado externo, aliás assim singrou e continuou vincando a imensidão do cerrado nacional, assegurando o seu lugar de rainha do agronegócio brasileiro.
(Josias Luiz Guimarães, veterinário pela UFMG, pós-graduado em filosofia política pela PUC-GO, produtor rural)
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