Tereza Alencastro Caiado de Godoy e o legado poético da mulher vilaboense
Diário da Manhã
Publicado em 9 de janeiro de 2018 às 23:42 | Atualizado há 2 semanasNo antigo e poético Largo do Chafariz da Cidade de Goiás Tereza Alencastro Caiado de Godoy veio ao mundo no dia 26 de fevereiro de 1875, filha de Luiz Antonio Caiado e Maria Alcântara Caiado, de tradicionais famílias goianas, oriundas de muitos laços eternos e unidos por ideais comuns.
Maria Alencastro Caiado, moça recatada nos preceitos daquela antiga Vila Boa de Goyaz casara-se muito cedo, mas já assumira, antes, o pesado encargo de criar seus irmãos, já que cedo perdera sua mãe, cumprindo, com amor e afeto, o que o coração lhe ditava.
Ela era filha de Joaquina Emília Caiado que, em 1820, casara-se com João Batista de Alencastro. Cuidara com desvelo dos irmãos Felipe Batista de Alencastro, que foi casado com Tereza Flamina Caiado; Antonia Emília Caiado (Tia Totó), que faleceu solteira; Inês de Alencastro; que foi casada com Joaquim Gustavo da Veiga Jardim.
Maria Alencastro Caiado casara-se com seu primo Luiz Antonio Caiado, que era filho de Antonio José Caiado, que fora Presidente do Estado de Goiás, Senador Federal, nascido em 1826, casado com Tereza Maria da Conceição Cachapuz e Chaves, filha de Guilherme José de Barros Cachapuz e Chaves, natural de Portugal e Ana Rita de Souza.
Além dos predicados morais, Maria Alencastro Caiado era dotada de acentuada mediunidade. Segundo depoimento de seu neto, Luiz Caiado de Godoy ao jornal O Anápolis, ela era assídua leitora de Kardec e auxiliava Antonio Cupertino Xavier de Barros (Tonico Cupertino) no primeiro Centro Espirita do Estado de Goiás, na velha capital, ainda no século XIX e era médium de transposição.
Segundo relatos de Luiz Caiado no citado jornal, num determinado momento de sua vida em que estava em perigo na cidade de Alemão, hoje Palmeiras de Goiás, sua avó lá estivera em espírito, falando-lhe que saísse daquele lugar em que corria perigo. Atendendo à voz, saiu escondido pelo quintal e logo a casa foi alvo de furioso tiroteio de jagunços de políticos locais, que promoviam assassinatos à revelia. Também segundo esse relato, a mesma previu o assassinato de seu neto Paulo, que ocorreu na cidade de Pirenópolis.
Antonio José Caiado, nascido em 1826, governou o Estado de Goiás de 17 de julho de 1892 a 30 de julho de 1893, por um ano de 13 dias. Substituía, ele, o Marechal Braz Abrantes. Deu ênfase à mineração no Rio Vermelho, a regularização das atividades ligadas à agricultura e o trabalho no campo, a criação do imposto territorial, a criação do selo fixo, organização de uma nova estrutura judicial para o Estado, a criação da Justiça eleitoral, quando instalou o Superior Tribunal de Justiça.
No seu governo, recebeu a famosa Comissão Cruls, com o objetivo de explorar o planalto para delimitar o futuro quadrilátero, onde, mais tarde, seria lançada a Pedra Fundamental da futura capital do País. Em agosto de 1892, o Presidente Antonio José Caiado recebeu a Comissão liderada pelo engenheiro Luiz Cruls na cidade de Formosa e depois Planaltina de Goiás, que, na época, chamava-se Mestre d’Armas.
O Presidente Antonio José Caiado foi substituído no poder por José Inácio Xavier de Britto, que ficou até 1895. Além desse cargo, exerceu, ainda, o mandato de Deputado Provincial e foi Senador da República, cargo em que faleceu em 8 de agosto de 1899, aos 73 anos de idade.
A maioria dos descendentes de Antonio José Caiado também esteve por décadas diferentes, até hoje, na liderança política do Estado de Goiás, numa vocação política por atavismo.
Foram também filhos de Antonio José Caiado outros importantes goianos como Torquato Ramos Caiado, casado com Claudina de Azevedo, pais de Antonio Ramos Caiado, Leão Caiado e Brasil Caiado, grandes políticos; Josefa Caiado, que foi casada com Arlindo Gaudie Fleury, deixando honrada descendência e Tereza Flamina Caiado, que foi casada com Enéas de Alencastro, também com nobres descendentes em Vila Boa de Goyaz.
Desse ilustre ramo familiar floresceu Tereza Caiado. Nasceu de um berço muito ilustre, marcado por homens e mulheres de têmpera e grande entusiasmo pela vida. De sua mãe herdou o espírito solidário no cuidado sempre generoso com os seus e com os desvalidos da sorte e, com o pai, o grande amor pelo chão goiano e o gosto pelo ambiente campestre, pelos rios, serras e vales das cercanias de Vila Boa de Goyaz, em poéticas divagações.
Tereza era um nome em evidência nos dois ramos ascendentes, daí o seu nome, na perpetuidade de uma tradição. Havia muitas Terezas, tanto no ramo Alencastro, quanto no ramo Caiado.
Na existência de Tereza Caiado havia a sombra benfazeja de seu único irmão, Mario de Alemcastro Caiado, notável homem, grande político e intelectual. Uma curiosidade é que seu sobrenome “Alencastro” fora grafado com “m”, “Alemcastro”, ao que o mesmo troçava ser ele, maior, superior “além de Castro”. Motivo de risos e troças no meio familiar.
Tereza e Mário Caiado eram irmãos muito unidos, solidários e companheiros. Não tendo Mário constituído família, ajudou os sobrinhos, com devotamento e amor paternal.
Assim, na infância, Tereza Caiado dividia seu tempo entre a velha casa secular do Largo do Chafariz em Vila Boa de Goyaz e a Chácara Carreiro, nas costas do Morro do Cantagalo; de exuberante beleza. Essa chácara ficava do lado direito da estrada de Goiás para a antiga Leopoldina. Era distante apenas três quilômetros da cidade. Tinha quatro alqueires de chão e era completamente revestida de matas exuberantes, nas encostas dos morros.
A casa da chácara, rústica, de ladrilhos, paredes de terra socada, janelas pintadas de azul, seguia o estilo vilaboense. Ficava num alto, cercada de muitas árvores; era aprazível vivenda. Próximo corria o límpido Córrego Carreiro, de refrescantes águas.
Tinha também a Fazenda Bugre, distante uns 24 quilômetros da Cidade de Goiás, caminho para o Arraial da Barra, hoje Buenolândia, velho e querido burgo dos tempos do ouro. Segundo a tradição, no Arraial da Barra vivera e morrera, ainda no século XVIII, o grande bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, numa velha casa da qual só restam hoje ruínas e a decadência.
Os caminhos que levavam à Chácara do Carreiro eram belíssimos, marcados pelo sertão em flor e pelo Cerrado com seus diferentes tipos de animais e plantas. Por muitas vezes, em sua infância, Tereza Caiado, com sua montaria, passava, por essas paragens, completamente embevecida de nossas belezas tropicais e cerradeiras.
Havia, no caminho, o que os moradores de Goiás, velha capital, chamavam de Mata do Zan-zam, com fama de mal assombrada. Esse trecho era sempre passado mais rápido e com medo.
Antonio José Caiado, apelidado Nholucas, apesar do nome e da ilustre ascendência, sendo inclusive filho do Presidente do Estado, apreciava o trabalho no campo, na sua fazenda, plantando milho, mandioca e criando o seu gado.
Tereza Alencastro Caiado de Godoy fez seus primeiros estudos em Goiás com a mestra Pacífica Josefina de Castro (Mestra Inhola), destacada educadora goiana e aulas avulsas com o nobre e altivo professor Manuel Sebastião Caiado (1853-1910), seu parente, insigne mestre do vernáculo, seguidas de aulas com o professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo (1875-1942), com quem, também, aprendeu sobre literatura e poesia.
Teve aulas de música com a destacada professora Rita Bressane, vinda de São Paulo, com quem aprendeu as músicas que, no seu antigo piano, eram executadas com primor técnica.
Com toda essa gama de conhecimentos, era a moça Tereza Alencastro Caiado de Godoy refinada e erudita para o seu tempo, vivenciando os eventos sociais da velha capital goiana, notadamente no Palácio Conde dos Arcos, onde havia saraus e tertúlias ao gosto da época.
Luiz Antonio Caiado, pai de Tereza Caiado, era ligado às atividades rurais em sua fazenda Bugre e, também, exercia funções ligadas à administração pública, no tocante à pecuária.
Nessa profissão, foi destacado para atuar no antigo posto de arrecadação intitulado “Mão de pau”, junto ao caudaloso Rio Paranaíba, com sede na cidade de Catalão, fronteira da então Província de Goyaz com a Província de Minas Gerais.
Em 1889, transferiram residência para Catalão, passando a morar numa romântica praça, aos moldes daquela cidade agitada, movimentada e turbulenta, diferente da placidez e dos rígidos costumes de Vila Boa de Goyaz.
Quando chegou a Catalão, Tetê tinha 14 anos. Teve como amiga predileta a jovem Arminda Prates, de família de literatos, irmã dos poetas catalanos, Alceu Victor Rodrigues e Gastão de Deus Victor Rodrigues. Com Arminda passou a fazer seus primeiros versos e a passear na Igrejinha do Morro da Saudade, ponto pitoresco da bela cidade do sul de Goiás.
Nas tertúlias do velho sobrado onde funcionava, em Catalão, o Jornal Goyaz e Minas, importante veículo de comunicação daquela época, a juventude se reunia para os sadios encontros culturais e para os namoros ingênuos do tempo, regrados pela austeridade da família e dos rígidos preceitos éticos e morais daquela época.
Assim, Tereza Caiado conheceu nessas tertúlias o jovem juiz, vindo de Formosa, antiga Vila de Couros, natural de Pindamonhangaba, João Francisco de Oliveira Godoy.
Iniciaram um romântico namoro, ao gosto da época, fazendo poemas com motes glosados, em que inflavam as almas enamoradas de doces sentimentos e de alegrias pueris, muito diferentes dos dias atuais, com certeza.
João Francisco de Oliveira Godoy nasceu em 19 de setembro de 1867, filho de Claro de Godoy Moreira e Amélia Augusta de Oliveira Godoy. Fez seus estudos iniciais em sua terra, Pindamonhangaba, passando depois ao Seminário Episcopal de São Paulo e Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, onde se formou em 1888.
No ano seguinte era nomeado juiz da Comarca de Formosa da imperatriz na distante província de Goyaz. Passou depois às comarcas de Morrinhos, Catalão, Pirenópolis, Cidade de Goiás, Desembargador pelo Tribunal de Justiça de Goiás e seu presidente, chefe de polícia.
João Francisco de Oliveira Godoy também gostava de estudos genealógicos e era exímio pesquisador e colaborador com a Revista de Genealogia do Brasil, destacando os principais ramos familiares do Estado de Goiás.
Em São Paulo, de onde viera, deixou João Francisco de Oliveira Godoy os irmãos Martiniano de Godoy, Maria Godoy e Eugênia Godoy, esta última, casada com o músico Valentim de Barros. Em Pindamonhangaba residiam seus irmãos Luiz Gonzaga de Godoy e Elisa Augusta de Godoy Miné, casada com Manuel Monteiro César Miné.
O jovem juiz e a poetisa, enamorados, iniciaram uma história de amor na bela cidade de Ricardo Paranhos.
Tereza Caiado também não se esquecia dos seus em Goiás. Em alegres missivas, em estilo epistolar, trocava correspondências com sua tia Antonia de Alencastro, apelidada de Tia Totó.
Amante da literatura, Tereza Caiado comprazia-se de conhecer, em Catalão, a casa histórica onde vivera o romancista Bernardo Guimarães, quando fora juiz de Direito na bela cidade. Era, também, amiga do poeta Ricardo Paranhos, dedicando a ele um soneto, quando da morte de sua filhinha.
Em 1892, Tereza Caiado retornou à velha Cidade de Goiás com a sua família. Seus pais reassumiam a casa do Largo do Chafariz e a Fazenda Bugre, assim como convolou núpcias com o seu namorado de Catalão, João Francisco de Oliveira Godoy, que já havia sido nomeado juiz Substituto da Capital do Estado. O casamento se deu em 28 de julho de 1892, na Cidade de Goiás.
O jovem casal passou a residir numa grande casa na Rua 15 de novembro, também chamada de Rua da Estrada, com quintal e muitas árvores, como o gosto da época.
Iniciada a vida de casada, Tereza Caiado dedicou-se ao lar, aos estudos, aos filhos, à música e às orações. Engravidando-se logo após o casamento, foi desejo de seu avô paterno, Antonio José Caiado, então Presidente do Estado, que seu primeiro bisneto nascesse no Palácio Conde dos Arcos.
Assim, Albatênio Caiado de Godoy nasceria 24 de abril de 1893, sendo árabe a origem de seu nome, que escrevia-se Al-battani, que significa “nome de homem”. Inclusive os nomes dos filhos do casal fugiam à regra interiorana de nomes. Nasceram na sequência: Archimedes, Claro, Luiz, Amélia, Maria e Paulo.
Com o crescimento, estudos, atividades políticas, casamentos, os filhos foram deixando o velho lar da Rua da Estrada. Todos seguiram seus caminhos, ficando apenas temporariamente Maria, que renunciara a qualquer compromisso, para cumprir sua missão de caridade.
Assim, o casal pode realizar viagens ao gosto de ambos, como no Rio de Janeiro na década de 1940 e em São Paulo, em visita às irmãs de João Francisco de Oliveira Godoy. Em todas elas, a alegria do encontro, a confraternização e a possibilidade de novos contatos e pesquisas genealógicas, e os versos de Tereza.
Mas, era no recinto do lar onde frutificavam afetos. Tereza Caiado se multiplica em versos pelo amor que tinha a todos os seus.
No ano de 1942, tempo do Batismo Cultural de Goiânia, o casal João Francisco de Oliveira Godoy e Tereza Alencastro Caiado de Godoy comemorou com todos os familiares as suas bodas de ouro.
O ano de 1948 foi deveras triste na existência de Tereza Caiado. Perdeu o amado esposo em 03 de agosto, depois de 56 anos de feliz união conjugal e o único irmão, Mario Caiado, amigo e companheiro de todas as horas, falecido no mês de janeiro desse ano.
Depois de viúva, acompanha a filha solteira, professora Maria Caiado de Godoy de mudança para Campinas, bairro de Goiânia. Ali faleceu na madrugada do dia 22 de junho de 1959, aos 83 anos de idade, deixando os mais belos exemplos de amor, solidariedade e gosto cultural, que legou aos seus dignos descendentes.
(Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, graduado em Letras e Linguística pela UFG, especialista em Literatura pela UFG, mestre em Literatura pela UFG, mestre em Geografia pela UFG. Doutor em Geografia pela UFG, pós-doutorando em Geografia pela USP, professor, poeta. bentofleury@hotmail.com)
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