Terra em transe – I
Diário da Manhã
Publicado em 30 de novembro de 2016 às 00:28 | Atualizado há 8 anos“A língua que eu havia inventado tinha desaparecido de minha cabeça, já não servia para me comunicar nem com os homens, nem com Deus” (COELHO, 1990).
A conjuntura da política podre no Brasil não é única, isolada ou presa à forma de manipulação–tal qual vapor barato num enorme tubo de ensaio federativo–que destila morbidades da insânia social trespassada pelo consumo cego – fonte de lucro dos gestores da religião banal, da escola sem partido, das iniquidades, desigualdades e exclusão, também das guerras numa terra antes rural, hoje, urbanizada e mundial.
Envolta em celofane neoliberal a diversidade equaliza diferenças propondo o mercado de trabalho terceirizado–ou escravidão moderna da massa de trabalhadores manobrada na bateia da totalidade. O mundo segue atualizado, a cada segundo, veste a proposta do novo erguido no alicerce da barbárie antiga, preso às redes sociais, net da aranha negra de veneno capitalista que determina uma sociedade líquida, mal acabada, esfarrapada em valores humanos transformados em farrapos fajutos–também mercadoria capitalista destinada à manipulação dos senhores da guerra. Já não existem praças cujo público se disponha a ouvir nos púlpitos os sábios que ainda se sustentam–capacitados a contar da moral a uma sociedade ferida na fé, sem rumo nem ética. Se “a alma jamais pensa sem imagem” (Aristóteles), a loucura filosófica–pós-moderna–ainda prega ser a alma atemporal, mais ainda, que a aroeira dobra aos ventos do imediato e não quebra.
Enigma, o tabuleiro da politicalha suja – covarde–copia o jogo de xadrez sem dar respostas plausíveis sobre quantas rodadas a sangue e desemprego da sociedade ainda dura, ou, até onde alcança a leva de trabalhadores incapaz de galgar alguma dignidade capitalista, enganados pelo poder de manipulação e teatro midiático. Este xadrez remonta ao Brasil das anáguas e de moças virgens, as fofoqueiras de plantão que ocupavam alpendres em Art Déco montadas em laquê, submissão, fidelidade ao pároco na traição, as velhas virgens. As mesmas velhas e velhos burgueses, enrustidos, em sua pureza e dedicação, entrega e escravidão, ainda hoje se recusam a vestir qualquer droga de traje que caiba na verdade do pobre ou sujeito que é uma droga. A verdade histórica tem tentáculos que saem pelas portas e janelas da incredulidade ou Tradição Família e Propriedade (TFP).
Lembrando as cores do traje folclórico da festa junina (herdada da era do campo retratado a espora e chicote do coronel que educou o Jeca Tatu), o xadrez, no século passado, deu marca e fama a pó que não se cheira, usado junto ao escovão e palha de aço para encerar a sala da Casa Grande. Coloriu roupa velha que denunciava a qualidade da alma, mais, mostrou ao mundo a modalidade de esporte em que o Brasil foi campeão através do gênio Mequinho. Sobre roupas e desejos coloridos, Elis rabiscou: “Você não sente, não vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer, o que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo e precisamos todos rejuvenescer.”
Ao discutir e tratar a má gestão (estratégica) do coletivo reforça-se uma das inúmeras profecias do antropólogo Darcy Ribeiro, o qual afirma que “se os governadores não construírem escolas, em 20 anos, faltará dinheiro para construir presídios” (1982). A Antropologia desandou misturada a valores negociáveis que se pretendem por bons, à certeza da utilidade corrupta e corruptível do político ruim, o xadrez tornou-se casa nova, midiática e de curta temporada da matilha de larápios do Estado. O navio da administração pública–em franco empuxo–traz no timão, em terno, crachá e gravata a gerência da venda e roubo do povo, também o País. Segundo Viktor Franklin, “viver é encontrar as respostas corretas para os problemas que a vida coloca”, lembrando que, a cada resposta errada, uma marca nos molda a face e a alma em forma de ruga, daí, a hipocrisia e o medo, expressões da sociedade burguesa que encontrou no “botox” a solução do problema.
A mercadoria mais barata na “Black Friday” da politicalha brasileira é o “Black Market” da moral que desconhece a ética. A vergonha do Congresso infestado por ratos de duas pernas – pensantes e corruptos–foi tema de capa no site “Transparência Internacional”, que monitora a corrupção no mundo. Vergonha? Depende de quem, a quanto e em razão do quê. Definitivamente não se trata de vergonha, ao contrário, pinta o retrato da conjuntura ou realidade de quem alimenta as bancadas hipócritas–o eleitor – cidadãos do Brasil, de Goiás, trouxas em carne e osso (pagador de impostos que sempre herda o osso) do maior retrocesso representativo político, em Brasília, nos últimos 50 anos. Quando as manchetes midiáticas clamam “acorda Brasil, consciência é ciência política sim!”, sugere a alma à obra “A lógica dos orientais”: “Porque afirmamos nossa presença ao mundo colocando-o à nossa volta, historicizando o tempo, o presente torna-se a origem de um passado e de um futuro que unicamente ele é capaz de fundar e pelo qual somos responsáveis.” (2006, p. 26)
O mundo (novidade nenhuma) assistiu a prisão do ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, um garotinho esperneando, possuído com medo do mundo real, ou, seja, a prisão. Ali seus santos do pau oco não puderam ajudar, os fiéis e seu alforje de dízimos nada pesaram na balança da Justiça caolha, e, na poesia do eufemismo quanto à sua prisão–tomando carona na morte de Fidel – é sempre bom lembrar o que Guevara vaticina:”Hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás.” A mídia é uma linha tênue milionária capaz de separar e vender a paz, o amor também o ódio. A prisão destes santos montados em pés de barro, crápulas da hipocrisia do roubo do Brasil, em todas as suas vertentes, quebra paradigmas e máscaras no País das Sesmarias tocado a compadres, milhões de escravos e uns poucos coronéis que ainda respiram por meio de seus herdeiros filhos, netos e bisnetos que não sabem como usar nem assinar o sobrenome.
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo, mestre em Serviço Social PUC-Goiás, aluno ouvinte em Direitos Humanos/UFG e pesquisador em Ciências da Religião/PUC-Goiás)
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