“Tristes Trópicos”
Diário da Manhã
Publicado em 22 de setembro de 2018 às 04:13 | Atualizado há 6 anos“O mundo começou sem o homem e se concluirá sem ele”. Tal frase antológica é de autoria do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, disposta na magistral obra intitulada Tristes Trópicos, a qual se tornou um clássico da etnologia e, pormenor, dos estudos brasileiros. Apesar do enfoque na cultura indígena, podemos usar tal referência para, de forma holística, focalizarmos na problemática ambiental brasileira, afinal, talvez a relação entre os indígenas e o meio ambiente – baseando-se num termo hodierno, qual seja a “sustentabilidade” – valha-nos uma reflexão sobre o tema.
Após 63 anos da publicação de Tristes Trópicos, lançado inicialmente na França, em 1955, o livro apresenta dados observados por Lévi-Strauss na década de 1930, quando ainda era professor da Universidade de São Paulo. Neste mérito, tratamos então de testemunhos quase que centenários, dos quais, certamente, muita coisa alterou ou se extinguiu. Dentre tais alterações, uma das que possuem uma das maiores representatividades é a do impacto ambiental decorrido dos processos de desmatamento, extrativismo predatório e urbanização. Coisa certamente muito diferente daquilo presenciado por Lévi-Strauss no Brasil de 1930.
A agenda sobre o meio ambiente mundial e brasileiro é pauta recorrente na mídia e, principalmente, no Congresso Nacional. Recentemente, uma expressiva parcela dos parlamentares estavam em batalha para a flexibilização do licenciamento ambiental, de modo a facilitar a criação de empreendimentos mas, sem sombra de dúvidas, fragilizar sobremaneira a proteção da natureza e seus biomas.
A periclitante proposta parlamentar, para não definir como disparatada, ganha ainda mais uma pejorativa tônica se interpretarmos os mais recentes dados publicados na revista Nature (revista científica britânica que possui respeitabilidade em todo o mundo, publicada desde 1869), que tratou sobre “O futuro dos ecossistemas tropicais diversos” (“The future of hyperdiverse tropical ecosystems”). Na ocasião, a revista apresentou dados impressionantes sobre os ecossistemas tropicais e seu impacto na biodiversidade mundial.
Apesar de que os ecossistemas tropicais cobrirem 40% de todo o globo terrestre, eles são responsáveis por mais de 75% de todas as espécies de animais e plantas do planeta. Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em números, isso significa que nos trópicos são encontrados: 75% das plantas, 79% das formigas, 83% dos anfíbios, 77% dos mamíferos terrestres, 66% dos peixes de água salgada, 81% dos peixes de água doce e 91% das aves de todo o planeta. Cremos que, para o ledor consciencioso, não precisamos delongar sobre a imprescindibilidade dos trópicos no meio ambiente global e como a alteração destes ecossistemas podem afetar milhões de pessoas ao redor do mundo.
Assim, nós brasileiros ficamos ainda mais alardeados em lembrar que nosso país é o maior dos países dos trópicos e que, a título de exemplificação, possuímos 60% da floresta amazônica, além do Cerrado, que é considerado como sendo a savana mais rica do mundo, com uma extrema abundância de espécies endêmicas. Destarte, as políticas públicas que afetam o meio ambiente brasileiro repercutem não só no país, mas sim em todo o mundo.
Para além da flexibilização do licenciamento ambiental, outra ação lamentável do Governo Federal foi a indicação de que quase 200 mil bolsistas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) poderão perder suas bolsas de pesquisa no ano de 2019. Em resposta, o Conselho Superior da Capes informou que a medida afetará diversos programas de pesquisa e irá “prejudicar a imagem do Brasil do exterior”. E é neste ponto que o corte de bolsas afeta o Brasil, pois, conforme a pesquisadora da Embrapa, Joice Ferreira, “a grande maioria dos dados e pesquisa relacionados à biodiversidade está concentrada em países desenvolvidos e não tropicais”, ou seja, o Brasil enquanto maior país tropical pouco possui dados sobre sua biodiversidade, em detrimento de outros países que sequer são tropicais. Lamentavelmente, esta constatação faz-nos pensar sobre nosso autoconhecimento e a soberania nacional.
Infelizmente, torna-se contraditório pensar que o Brasil é um país representativo nas questões do Direito Ambiental Internacional, mas que age internamente de forma paradoxal. Ao rememorarmos a Eco 92 e, na longa esteira de vinte anos, a Rio +20, visualizamos, doravante, uma possível decepção internacional para com o Brasil quanto ao atingimento das metas ambientais e a criação de modelos socioeconômicos preocupados com o argumento ambiental.
Conforme dizeres de Benigno Nuñez Novo, os fundamentos do Direito Internacional Ambiental não foram influenciados por debates políticos e econômicos, mas por meio de resultados científicos que demonstram a necessidade de normatizar, de forma internacional, as questões voltadas ao meio ambiente. O que, sobremaneira, é escancarado pela revista Nature, uma vez que a omissão por parte dos governos locais – incluindo o do nosso país – poderá potencializar a perda definitiva de espécies nos ecossistemas tropicais, o que afetará milhões de pessoas.
Feito deste modo, temos que, melancolicamente, considerar os dizeres de Lévi-Strauss em Tristes Trópicos, pois “a única coisa que o homem fez foi dissociar tranquilamente bilhões de estruturas para reduzi-las a um estado em que não são mais capazes de integração”. Assim, se continuarmos neste cataclismo, seu presságio sexagenário estará correto: “O mundo começou sem o homem e se concluirá sem ele”.
(Danilo Curado, arqueólogo, especialista em Gestão Pública, mestre em Educação e acadêmico de Direito)
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