Opinião

Viagem no tempo

Diário da Manhã

Publicado em 8 de dezembro de 2015 às 22:03 | Atualizado há 9 anos

Em outubro próximo passado estivemos (um grupo de diretores da Cooperativa de crédito, Sicoob UniCentro Brasileira) no Rio de Janeiro, participando de um congresso mundial a respeito de cooperativismo; aproveitando uma tarde de “folga” Dr. Argeu  Clovis de Castro Rocha e sua esposa, Sra. Inês,  Marília, minha esposa  e eu, fomos almoçar na famosa Confeitaria Colombo, situada à rua Gonçalves Dias, no Centro.

Antes de chegarmos àquele tão famoso recanto, passamos por alguns “sebos” e rememoramos alguns antigos “cafés  literários” do Rio  (final do século 19 e começo do 20), período áureo da boêmia literária e cujos nomes ficaram registrados nas crônicas e até mesmo em contos de literatos  que frequentavam aqueles ambientes naquela época (“café do Rio”, na rua do Ouvidor, “café Globo” na rua primeiro de março, “Confeitaria Pascoal” na rua do Ouvidor e muitos outros).

Realmente, ao se adentrar o recinto da Confeitaria Colombo, não há como não  sentir uma certa nostalgia pelas lembranças da Belle Époque da antiga capital da república; o simpático  maitre, ao descrever o ambiente e um pouco da sua  história para os visitantes,  ajuda a manter este clima que teimamos em reviver (final do século XIX, ano de 1894, quando esta Confeitaria foi fundada, por dois emigrantes portugueses).

Estes enormes espelhos que cobrem quase todas a arquitetura do salão principal foram reformados no começo do século XX, continua ensinando-nos o nosso guia travestido de maitre , agora com um toque de Art Noveau; estes espelhos  são de cristal e foram trazidos da Antuérpia, enquadrados por estes elegantes frisos talhados em madeira de jacarandá,  todos os móveis  que adornam o salão foram esculpidos especialmente para este ambiente …

Brito Broca, no seu  livro “A Vida Literária no Brasil 1900, Ed. José Olimpio, 2004”, em linguagem intimista rememora algumas passagens daqueles cafés e chama atenção para o fato da fama daqueles recantos ecoarem para todo o Brasil – Foi no “Pascoal”, leio o que ele escreve,  que o jovem adolescente, João do Rio (futuro membro da Academia Brasileira de Letras) – “Ouviu numa tarde de grande movimento,  a Baronesa de Mamanguape exclamar – Sr. Olavo Bilac …  , o adolescente voltou-se e pode, pela vez primeira, contemplar a fisionomia simpática do poeta aclamado”.

E era assim, também, completa Brito Rocca, que o  provinciano vindo de Minas, do Sul ou do Norte, experimentava o alvoroço de reconhecer à porta de um desses estabelecimentos o poeta cujos versos sabia de cor, ou o romancista que tanto o impressionara.

Nosso conterrâneo Hugo de Carvalho Ramos, em carta ao seu irmão Américo, datada de fevereiro de 1912 (Apud Broca Rocca), declara o que mais o seduzia na perspectiva de mudar-se para o Rio de Janeiro, não era a maravilhosa paisagem da Guanabara nem a vertigem da vida civilizada numa metrópole, era “poder conhecer e admirar de perto o grande  estilista de Inverno em flor,  e do Jardim das Oliveiras, enfim Coelho Neto”; provavelmente muitos outros jovens faziam isto circulando pelas imediações daqueles cafés, onde poderiam ser vistos, além de Coelho Neto outros famosos da época,  tais como, Olavo Bilac, Emilio de Meneses, José do Patrocínio, Lima Barreto e muitos outros, como Rui Barbosa.

Por esta mesma época a que estamos nos referindo, foi inaugurada no Rio de Janeiro, sob imensa expectativa, a boate “Chat Noir”, copia da similar existente em Paris; o  literato João do Rio descreve em uma das suas crônicas, até com certo exagero: ” Ia-se ao Chat Noir, como a um supremo prazer de arte, onde uma Delfos recitava sonolentamente As Nevroses,  de Rolimar e os trechos mais profundos de Baudelaire e Bruant”.

Olavo Bilac escrevia na Gazeta de Noticias que o Chat Noir “Ia desmoralizar a morte,  Já temos no Rio de Janeiro um lugar onde se pode, confortavelmente, rir da morte”; por estas citações, conclui-se que o lado boêmio dos fazedores de literatura daquela época frequentava a tal boate.

A repercussão daquela casa de divertimentos, como não podia deixar de acontecer, tendo em vista a força política e cultural do Rio de Janeiro daquela época, extrapolou os limites da capital federal, como se pode observar nesta carta de 24 de maio de 1911,  que Hugo de Carvalho Ramos, naquela época já residindo no Rio de Janeiro e que passava alguns dias de férias na cidade de Goiás,  enviou à sua irmã Ermelinda, dando conta da existência de um bar de nome “Chat Noir”, perdido nos ermos do  Brasil Central:

– “Este é o modo de viver sensato, natural, na opinião de todos, de um rapaz desocupado ou de um estudante em férias: beber qualquer droga inferior que seja no Chat Noir”.

 

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

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