Virou moda ministros do STJ não se darem por suspeitos
Diário da Manhã
Publicado em 4 de setembro de 2018 às 22:26 | Atualizado há 6 anosCaiu nas malhas da mídia estes dias mais um escândalo protagonizado por um ministro do STJ e, coincidentemente, um daqueles levados para aquela Corte alavancado por interesses de grupos econômicos.
Diversos veículos da imprensa noticiaram que o Corregedor Nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que, em tese, deveria velar pela seriedade do Judiciário, coibindo abusos e aparando desvios de conduta, não se declarou impedido e vai relatar no CNJ uma representação feita por um cliente de seus dois filhos, os advogados Anna Carolina (a já conhecida Nina, que intermedia as propinas pela venda de decisões do pai), e Otavio Henrique Menezes de Noronha, também velho conhecido da imprensa mais como lobista do que como causídico, sendo um bem sucedido advogado, dono de um patrimônio incompatível com sua advocacia, como um escritório luxuosíssimo em endereço nobre e dois luxuosos automóveis importados (uma BMW e uma Ferrari).
Mas vamos contar uma historinha para que o leitor entenda até onde vai a cara-de-pau de certos magistrados.
A Câmara Municipal de Bacabal, no Maranhão, afastou no dia 27 de outubro passado o prefeito em exercício José Vieira Lins, conhecido como Zé Vieira. A decisão foi tomada pelo presidente da Casa, Edvan Brandão, após o STJ condenar o político por improbabilidade administrativa, tomando posse interinamente, o vice-prefeito Florêncio Neto, que deve permanecer no cargo até que haja uma decisão, já que ele o prefeito Zé Vieira tiveram seus diplomas cassados por abuso de poder econômico e políticos nas eleições do ano de 2016. A decisão da juíza Daniela Bonfim, titular da 13ª Zona Eleitoral, também suspendeu os direitos políticos de ambos por oito anos.
Segundo reportagem da Folha de São Paulo, Anna Carolina e Otavio Henrique defendem o prefeito, e queriam anular a decisão do STJ com uma ação no Tribunal de Justiça do Maranhão. Mas o desembargador José de Ribamar Castro adotou posicionamentos contrários a seus interesses. Após isso, a Prefeitura entrou com uma representação no CNJ contra o desembargador José Ribamar de Castro. É este o caso que será relatado pelo corregedor Noronha, que também é ministro do STJ.
O Código de Processo Civil veda expressamente a atuação de magistrados em processos de interesse de filhos. Mas não é a primeira vez que Noronha é questionado por julgar casos de interesse de seus filhos. Em abril de 2016, ele fez isso na condição não de corregedor, mas de ministro do STJ. O Corregedor Nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, não se declarou impedido e relata no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) uma representação feita por um cliente de seus filhos.
Procurado pela reportagem da Folha, o corregedor não respondeu aos questionamentos sobre sua atuação no caso. Seu filho, o advogado Otavio Noronha, disse que desconhecia a representação no CNJ até ser procurado pela reportagem e que, “se necessário”, informará formalmente que defende o prefeito maranhense no STJ.
Reportagem da “Folha de São Paulo” de abril de 2016 já havia identificado que o corregedor, na condição de ministro do STJ, julgou casos em que seus filhos atuavam como advogados.
No caso de Bacabal, Noronha analisa o desdobramento no CNJ e seus filhos advogam para o prefeito no STJ.
Mas essa praxe não é incomum no STJ, mas só quem a adota são exatamente aqueles que “entraram pela janela” pelo quinto constitucional da OAB, e os casos mais emblemáticos são exatamente o de Noronha (imposto no STJ pelo Banco do Brasil e pela Febraban) e Francisco Falcão, filho do ex-ministro do STF Djaci Falcão, e teve desastrosa gestões no Tribunal Regional Federal de Pernambuco, na Corregedoria Nacional de Justiça e na Presidência do STJ, nomeado pelo critério da “sobrenomenologia”, deixando uma sombra de dúvida sobre a imparcialidade dos julgamentos naquela Corte, quando uma das partes detém poder político ou econômico.
Falcão foi implacável Corregedor Nacional de Justiça, responsável por afastamentos e aposentadorias compulsórias de colegas, muitas vezes mediante simples suspeitas, antes de ser eleito como presidente do STJ, em setembro do ano passado.
O jornal “Folha de São Paulo” de 13 de março de 2016, em matéria assinada pelo jornalista Aguirre Talento, mancheteada sob o título “Presidente do STJ decidiu processos em que seu filho atuou”, confirma o que ocorre nos subterrâneos do STJ. O filho, não por acaso, é Djaci Falcão Neto, o “Didi Falcão”, ou Falcãozinho”, que acendeu o estopim do afastamento e posterior aposentadoria compulsória de Ari Queiroz, quando esse magistrado se recusou a aceitar uma proposta espúria do filho do ministro, que discorri no artigo “Por que afastaram Ari Queiroz” (DM de 14/03/2015).
A “Folha” localizou quatro decisões monocráticas do ministro Francisco Falcão, como presidente da Corte, todas favoráveis aos clientes do filho, referentes a recursos de partes representadas por “Didi Falcão”. O novo Código de Processo Civil (CPC), no art. 144, inciso III, proíbe que magistrados funcionem “quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive”.
Ele julgou nada menos que quatro processos em que “Falcãozinho” atuava com procuração nos autos, e o pai só se declarou impedido e anulou as decisões quando houve reclamação da outra parte; em um outro processo, o terceiro, Falcão decidiu em dezembro de 2014, mas só se declarou impedido em fevereiro de 2016.
Falcão também rejeitou um recurso, sob a pífia argumentação de que a família não pedira a extensão da Justiça Gratuita ao STJ; ocorre que ela já gozava desse benefício desde o primeiro grau, sendo desnecessário repetir o pedido em grau de recurso, já que o processo subiu sob o pálio das gratuidade. A autora recorreu da decisão de Falcão, e o novo ministro relator, Ricardo Cueva, decidiu que caberia o recurso, reformando a decisão de Falcão. Em outubro de 2014, ele rejeitara um recurso contra a “Sambaíba Transportes”, sob o mesmo argumento.
No quarto processo, o ministro decidiu, e até hoje não se declarou impedido. E “justificou”, dizendo que “só percebeu que era caso de impedimento depois que o recurso já estava julgado”.
O ministro cometeu dois erros graves: primeiro, não podia jamais atuar em razão do impedimento; segundo, mesmo admitindo eventual descuido de sua assessoria, que não teria percebido o impedimento, não poderia, de qualquer forma, desfazer a decisão, justamente por ser impedido. Mas isto depende de um pouco de conhecimento jurídico.
“Falcãozinho” é sócio do escritório “Djaci Falcão Advogados Associados”, sócio da irmã, Luciana Tavares Falcão. “Falcãozinho” é advogado em 75 processos no STJ, e sua irmã, em trinta, só no STJ. Quando o caso veio a furo, a assessoria de Falcão informou que “houve falhas na checagem do impedimento dos processos”, afirmando que “tomou as decisões com base no mérito e que, por isso, não viu que seu filho estava entre os advogados das partes”. Por meio da secretária, os dois filhos do ministro simplesmente informaram que não tinham nada a declarar sobre o assunto.
É isto que deve estar sistematicamente acontecendo naquele tribunal, composto de investigadores que deveriam ser investigados. E não é por acaso que Francisco Falcão é um dos personagens do meu livro “Eu também acredito em lobisomem”, que até o momento não foi contestado.
De outra banda, alguns, para se livrarem de uma “batata quente”, passam meses com um processo e quando enxergam o tamanho do pepino, dão-se por suspeitos “por motivo de foro íntimo”, como fizeram os ministros Nancy Andrighi e Humberto Martins (este até tinha votado anteriormente no caso), que, sem me conhecerem, deram-se por suspeitos na Ação Penal nº 690-TO.
Face ao fisiologismo do “Tribunal da Cidadania”, vamos ver o que o ministro Noronha vai fazer com esse processo de seus filhos.
(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado – liberatopo[email protected])
]]>