Volta ao passado, Londres, sempre Londres!
Diário da Manhã
Publicado em 3 de janeiro de 2018 às 23:24 | Atualizado há 7 anosSempre que surge a oportunidade e as condições econômicas permitem, Marilia e eu voltamos a Londres, cidade que está muito ligada ao nosso passado de “aventuras” e, principalmente, de estudos; agora, no mês de setembro, voltamos àquela cidade encantada que tantas marcas deixaram em nossas lembranças.
Esta nossa viagem, adrede planejada por nos dois aqui em casa, seria para “matar a saudade” daqueles idos tempos de 1972, quando, naquela oportunidade, fui fazer um estágio no antigo Hospital São Marcos, naquela época uma grande referência mundial na especialidade coloproctológica e, também, para “checar detalhes” sobre um livro de crônicas que estou planejando escrever sobre Londres e Paris.
Ao percorrer a rua Lancaster Gate, localizada nas imediações do Hyde Park, Marilia e eu lembramos daquela nossa aventura; eu era quase que recém-formado, vendemos quase tudo o que possuíamos (era só um carro!) e com algumas economias que só nos dois sabíamos como foi difícil juntar e viemos com a “cara e coragem”, deixando os nossos três filhos para trás, com as idades de 1, 3 e 5 anos (quando voltamos, depois de 6 meses, foi uma dificuldade para Ana Paula reconhecer a Marilia como mãe): resultado: a criança chorava de um lado e a mãe chorava do outro!
Naquela época hospedamos naquela rua, que citei acima, no número 49; era uma Casa, extensão da Embaixada do Brasil, que acolhia estudantes brasileiros, denominada “Casa do Brasil”, onde pagávamos, mensalmente, um preço irrisório (teria sido irrisório para nossos bolsos?).
Fizemos algumas fotografias em frente da mesma (não é mais aquela “hospedaria’) e Marilia ficou muito emocionada e chorou; difícil foi explicar ao jovem que nos fez a gentileza de fotografar-nos a razão de tanta emoção.
Depois, fomos a um restaurante italiano de nome Taormina (19, craven terrace street) onde, de vez em quando, frequentávamos na companhia de outros moradores da Casa do Brasil; ali tive a mesma sensação da que tive há alguns anos, quando voltei ao lugarejo (Gaspar Lopes, MG) onde nasci; pareceu-me que o ambiente (salão) do Taormina era muito maior do que vi naquela oportunidade!
Éramos tão jovens! Será que Freud se enganou ao se referir ao “Deja vi” inicialmente apenas para as crianças? Ou será que quando íamos ali, junto com a turma da Casa do Brasil, o ambiente se me afigurava muito maior?
Como era de supor, não encontramos nem vestígios dos antigos proprietários do restaurante, apenas algumas fotografias, algumas delas já descoradas pelo tempo, dependuradas nas paredes e que o atual proprietário ( neto do antigo) me informou tratar-se do seu avô na companhia de alguns garçons.
Na volta do Taormina passamos em frente a um pub (botequim dos londrinos) de nome “The Mitre” onde, em algumas tardes de sábados íamos, na companhia de alguns moradores da Casa do Brasil, tomarmos uma “larger” – cerveja, por sinal, quase sempre quente, que é vendida em copos e ali encontrávamos, com certa frequência, com um senhor “habituê” do “buteco” e jogávamos as “palavras fora” e a Cecilia (estudante de São Paulo) se encarregava de ensinar-lhe palavrões em português:
– My name is veado!
Tomo a liberdade de reproduzir (logo a seguir) “ipsis litteris” esta emoção, ao copiar um trecho de uma crônica que escrevi há algum tempo, sobre minhas andanças por Gaspar Lopes.
“Alguns anos depois que parti para bem distante, voltei a Gaspar Lopes, principalmente à nossa casa situada perto da estação da Rede Mineira de Viação. Confesso, fiquei um pouco decepcionado; sempre achara que o ribeirão que passava em frente, fosse muito maior do que realmente se me afigurava agora. Será que ele encolheu ou a fantasia de criança aumentava sua dimensão? A distância entre nossa casa e a estação de ferro também diminuiu ou os passos miúdos do menino, dava esta falsa impressão? Será que os bagres e traíras que pescávamos ali, também eram menores do que eu imaginava?
O verão adquiriu matizes mais carregados, as flores que existiam, apenas para embelezar nossos caminhos de outrora, começaram a murchar; a estação de ferro está silenciosa, os passageiros da Rede Mineira de Viação volveram seus olhos e seus interesses para outros meios de transporte. Não fazem mais baldeações naquelas antigas plataformas! As chuvas de setembro levaram consigo, não somente a poeira das estradas, mas também o burburinho dos antigos moradores.
Fecho os olhos e vejo perfilando, como se eu estivesse mirando um caleidoscópio multicolorido, as casas que compunham a nossa rua principal; minha posição é privilegiada: estou no pátio da estação, no local onde estacionava a “jardineira” que buscava os passageiros que chegavam no trem.
Quem me vê falando em rua principal deve pensar, também, em muitas outras ruas secundárias. Éramos tão poucos, eram tão poucas as nossas ruas! Acho que consigo contá-las com os dedos das mãos.
Reminiscências são como o buquê do vinho elaborado com cepa de uva de qualidade superior e que inunda nosso olfato; cada vez que testamos nossa capacidade de descobrir o odor que exala do cálice, sempre iremos descobrir novo perfume.
Mesmo que o vinho seja o mesmo e da mesma safra, ele muda de aroma e de sabor com o tempo, as emoções serão sempre outras!”
(Hélio Moreira, da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)
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