Livros, café e noites em claro
Diário da Manhã
Publicado em 22 de junho de 2016 às 03:41 | Atualizado há 9 anosTomar medicamentos que inibem o sono vem se tornando uma atitude arriscadamente popular entre os estudantes de ensino médio, também chamados de “concurseiros” ou vestibulandos, e universitários. Os chamados psicoestimulantes, além de inibirem o sono, aumentam a capacidade de concentração e melhoram o desempenho acadêmico. Outras substâncias, como cafeína, ricamente encontrada no café, e a guanina e a taurina, encontradas em bebidas energéticas, por vezes são ingeridas pelos estudantes a fim de reduzir o sono para poderem estudar por mais tempo. No entanto, o consumo dessas substâncias e dormir menos acabam provocando sérias consequências ao organismo e ao próprio aprendizado.
“Não só os estudantes, mas muitas pessoas não sabem que é durante o sono que acontece a principal fase do aprendizado, porque é na etapa mais profunda do sono que o cérebro armazena as informações que foram adquiridas durante todo o dia”, explica a neurologista e especialista em Medicina do Sono Joseany Cardoso de Sousa, da Clínica de Distúrbios do Sono.
“Pessoas que estudam ou trabalham demais provocam malefícios, tanto a curto como a médio e longo prazos, e que são devastadores. A começar pelos danos físicos, mental e social. O sedentarismo intenso, a obesidade, os distúrbios alimentares, e quadros de insônia ou distúrbio de sono são os principais efeitos físicos sofridos pelo corpo. Os efeitos sociais são o aumento do risco de depressão, diminuição das relações sociais e outros distúrbios emocionais, todos provocados pela falta de socialização da pessoa”, pontua a especialista.
O sono é dividido em três etapas mais o R.E.M. (Rapid Eye Movement ou Movimento Rápido dos Olhos). Na primeira fase, que abrange cerca de 10% da noite, é a transição entre a vigília e o sono. Quando escurece, ocorre a liberação de melatonina, hormônio que induz a sonolência. Na fase 2, que abrange 45% do sono, é onde ocorre a diminuição dos ritmos cardíaco e respiratório, os músculos relaxam e a temperatura corporal abaixa. É um sono mais leve, conhecido como sono de conexão. A fase 3 abrange 25% da noite, e é onde o corpo funciona mais lentamente e o metabolismo cai. O coração bate devagar e a respiração fica mais leve. A quarta e última fase, o R.E.M., abrange 20% da noite e o sono atinge o estágio mais profundo. Nessa fase ocorrem os sonhos, que são fragmentos de memórias. O indivíduo tem descargas de adrenalina (causadas também por pesadelos) numa espécie de tratamento de choque. Também há picos de batimentos cardíacos e pressão.
“O R.E.M é fase em que a memória e o aprendizado são consolidados e indivíduos que fazem muito esforço mental, como estudantes de vestibular, têm um sono R.E.M mais forte, pois mais lembranças e mais informações precisam ser lembradas. Quando alguém é acordado durante o sono e volta a dormir, retorna à fase 1. Se a pessoa estiver relaxada, pode chegar rapidamente ao estágio R.E.M.”, relata Joseany.
“É muito importante para qualquer indivíduo que ele passe por todas as etapas do sono. As três primeiras fases estão mais ligadas à restauração física, como reconstrução tecidual, aumento da massa muscular e também ocorre a liberação do hormônio do crescimento (GH). Ao estudante, ter um bom desempenho é ter um sono de boa qualidade, dormir menos só fará diferença para pior. O que não se produz durante o dia, não se pode recuperar à noite, não dormindo, isso só reduzirá ainda mais o desempenho”, pontua a médica.
No início da manhã, o corpo para de liberar o hormônio do crescimento (GH) e começa a produzir o hormônio cortisol, que controla inflamações, alergias, estresse, e ajuda a manter a estabilidade emocional. Outros hormônios liberados são a melatonina, a adrenalina, o TSH, que estimula a tireoide e tem um pico no início do sono, e a noradrenalina, que favorece o sono R.E.M.
Psicoestimulantes e energéticos
É comum para estudantes de ensino médio e universitários estudar ao ponto de ter que sacrificar noites de sono em busca de compreender aquela matéria tão difícil para ter que se sair bem na prova do dia seguinte, ou até na próxima semana. E em casos como esses também é comum recorrer aos psicoestimulantes, visando uma melhor capacidade de concentração e, por consequência, um melhor desempenho no aprendizado. No entanto, ao usar tais substâncias, alguns jovens chegam a fazer uso de anfetaminas de efeitos mais fortes e duradouros, trazendo sérias consequências à saúde e ao próprio cérebro que está armazenando informações.
Os psicoestimulantes abrangem um grupo de drogas de diversas estruturas e que têm em comum ações como aumento da atividade motora e redução da necessidade de sono. Estas drogas diminuem a fadiga, induzem à euforia e apresentam efeitos simpaticomiméticos (aumento das ações do sistema nervoso simpático). A cocaína e as anfetaminas são as principais drogas psicoestimulantes encontradas no mercado.
“Eles de fato fazem efeito, aumentam a concentração e melhoram o rendimento, mas perdem efeito após cerca de quatro horas, que é a capacidade de efeito do remédio. E quando o medicamento perde o efeito, o esperado é que se tome outra dose para que o desempenho volte ao nível máximo. Com isso, o jovem está a um passo do vício, quadro muito difícil de ser revertido futuramente”, conta Joseany.
Se tomado por pessoas sem o transtorno, o medicamento funciona como qualquer outro estimulante, a cafeína e a guaranina, por exemplo. Porém, diferentemente dos estimulantes naturais, essas pessoas têm um grande risco de sofrer com os efeitos colaterais do medicamento, como dependência química, taquicardia, aumento da pressão arterial, tontura e insônia prolongada.
Mas Joseany frisa: “Remédio é para tratar doença ou distúrbios, com prescrição médica. O clínico é o único profissional capacitado a prescrever medicação ao paciente. Ultimamente, a internet tem ajudado muitas pessoas com informações que sanam dúvidas simples e bastante básicas. Mas a internet que leva informações válidas, com fontes boas e confiáveis é a mesma que bebe de fontes ruins, e é onde está o perigo. Muitas pessoas não sabem filtrar essas informações e checar a veracidade delas, e levam isso para o consultório também.
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