O golpe da reforma da previdência
Welliton Carlos da Silva
Publicado em 18 de dezembro de 2016 às 16:30 | Atualizado há 8 anosPode parecer ideológica a afirmação, mas é verdade: a reforma previdenciária que se anuncia é mais um golpe para reduzir direitos e ampliar o caixa que mais é desviado no país desde a ditadura. O Brasil passou por três reformas nos últimos treze anos e nenhuma ocorreu para garantir direitos. Outra máxima, totalmente oposta, é verdadeira: sem reforma, podem faltar recursos para custear o sistema. Motivo: ele está realmente quebrando, por conta das ingerências históricas do Governo Federal.
A execução da reforma tem inúmeras possibilidades. Mas ainda precisa ser aprovada no Congresso Nacional. Se depender da forma com que o governo tem se manifestado, a regra será praticamente imposta para a população. O trator passa por cima até mesmo de deputados aliados.
A prova é o que ocorreu, por exemplo, com o deputado federal João Campos (PRB-GO), que foi afastado da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), já que tinha visão contrária a vários pontos da reforma da previdência.
Como a votação ocorreu na madrugada de terça-feira, 6, o parlamentar diz em suas redes sociais que foi afastado e recolocado na comissão horas depois da ocorrência da votação. Ou seja, para que Campos não se posicionasse contra, ele foi afastado da comissão.
“Comunico que fui retirado, hoje, da condição de membro da CCJC em virtude de me posicionar contrário à reforma da previdência – PEC 287/2016. Todavia, continuem contando comigo mesmo fora da CCJC para articulações etc. Vou continuar lutando pra retirar da PEC todos os servidores que integram os órgãos de segurança pública. Não abro mão disso. Continuaremos juntos. Essa causa é nossa”, anunciou João Campos, que sentiu na pele o rolo compressor do governo em busca de economias à custa do suor dos trabalhadores.
Diante da agressividade do Governo Federal, que foge do diálogo, o próprio deputado e outros parlamentares começaram uma ação de salve-se quem puder. João Campos marcou com urgência um encontro com o ministro da Justiça Alexandre Moraes e pediu socorro a um dos segmentos que defende – a segurança pública, inclusos militares, bombeiros e civis. Acompanhado de diversos parlamentares, do Diretor-Geral da Polícia Federal, da Diretora Geral da Polícia Rodoviária Federal, do presidente do Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil e dos presidentes de entidades nacionais das polícias militares e bombeiros, Campos foi em busca de alívio ao segmento. Até segunda ordem, além das Forças Armadas, os PM´s e policiais civis gestão fora da PEC.
IDADE
A PEC da previdência propõe uma mudança mais radical dos que as anteriores. Muda, por exemplo, a idade mínima para aposentar. No Brasil não existe idade mínima para a aposentadoria. O que existe é aposentadoria por idade (mínimo de 65 anos para homem e 60 anos para mulher, desde que tenham contribuído por pelo menos 15 anos). Agora, o governo propõe adoção da idade mínima de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres.
Outra regra nova seria a imposição de tempo mínimo de contribuição de 25 anos – o tempo mínimo de contribuição é hoje de 15 anos.
De acordo com a proposta de Michel Temer, existirá a tabela progressiva: o valor de cada aposentadoria dependerá do tempo de contribuição. Exemplo: se ele contribuiu por 25 anos receberá apenas 76% do valor benefício. Mas tal taxa aumenta em um ponto percentual a cada ano a mais de contribuição. Segundo a proposta de mudança constitucional, o contribuinte que contribuir por 49 anos receberá 100% do valor do benefício.
As novas regras desagradam ainda mais os servidores públicos, já que eles deixam de ter substanciais diferenças do Regime Geral da Previdência Social (RGPS. Os trabalhadores do setor público se aposentarão depois dos 65 anos.
A reforma é complexa e exige dos leitores uma leitura atenta. Muitos perdem. Por exemplo, o governo propõe que as regras para aposentadoria dos trabalhadores rurais sejam as mesmas dos trabalhadores urbanos.
SISTEMA FALIDO
A Lei Eloy Chaves, de 1923, consolidou o sistema previdenciário ao criar a Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias. Daí por diante a Previdência Social foi aperfeiçoada para tirar dinheiro dos trabalhadores.
A Constituição de 1988 a inseriu no capítulo da seguridade social, fato que a colocou ao lado da saúde e da assistência social – tornando o problema ainda mais dramático.
Hoje, a Previdência Social brasileira é considerada uma das maiores pagadoras do mundo. Ela despeja R$ 16 bilhões no pagamento de 27 milhões de benefícios, caso de aposentadorias, pensões e auxílio-doença.
“O que tem acontecido no Brasil é um desmonte de um sistema, que nunca foi levado a sério: a Previdência Social brasileira é organizada sob a forma de regime geral. De imediato já existe um erro: filiação obrigatória. Observe que o estado não cogita privatizar a previdência. E por qual motivo? Ela é sempre uma imensa caixa de recursos, retirada dos salários dos trabalhadores e de forma compulsória. É dinheiro fácil para se fazer o que quiser”, diz o previdenciarista João Gonçalves Filho.
Desde a ditadura militar, a situação previdenciária tem se gravado. Após o golpe de 1964, o governo passou a usar o dinheiro da previdência para acumular capital e aplicar em outras áreas, deixando o segmento desprotegido. Se hoje a previdência obedece aos princípios da universalidade e da preservação do valor real dos benefícios, a regra é começar a ver os princípios previdenciários abalados daqui para frente.
João Gonçalves Filho diz que o Governo Federal usa argumentos falsos, como o estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado que apontou o aumento da expectativa de vida em cinco anos. “Isso aconteceu em todo o mundo. Mas no Brasil não aconteceu o aumento da expectativa de emprego. Vai acontecer o seguinte: muita gente vai conseguir trabalho até os 55, 60 anos e faltado pouco para aposentar, perde emprego e não consegue mais colocação, impossibilitando o pagamento das contribuições. Hoje temos milhares de jovens desempregados. Com os idosos nas ocupações, faltarão ainda mais vagas”.
Conforme João Filho, um dos principais problemas do país não é nem a falta de adoção de uma idade mínima, mas o repentino envelhecimento da população brasileira. A previdência segue o regime de repartição, sendo agora uma obrigação dos mais jovens financiarem as aposentadorias dos mais idosos. “Mas é preciso levar em conta uma coisa: muita gente pagava a previdência no passado e poucos recebiam, já que a população de idosos era menor, mas isso mudou: agora temos um base muito maior para os mais jovens sustentarem”.
O que mais preocupa os especialistas é a matemática criada pelos brasileiros e que simplesmente não fecha: na Europa existe uma teoria atuarial. Cada um contribui desde sempre para sua própria reserva. Semelhante ao FGTS, o cidadão se aposenta com a reserva que fez ao longo da vida. No Brasil, como já dito, o sistema tenta obrigar os mais jovens a sustentarem os mais velhos, em uma caixinha que está completamente vazia para uma massa de usuários crescentes.
“O Brasil não tem levado a sério os princípios atuariais da previdência. Na verdade, quando alguma coisa aperta, ele vai lá e retira o direito do trabalhador. Basta relembrar o que ocorreu em 2003, com a Emenda Constitucional 41”, diz a advogada de sindicatos Maria Lopes da Silva.
Ela explica ao Diário da Manhã que uma das primeiras surpresas do governo Lula foi enviar ao Congresso Nacional a PEC 41, a reforma da Previdência Social do início do século. Lula decidiu cobrar a contribuição dos aposentados e pensionistas. Não bastasse, ele instituiu o fim da aposentadoria integral no serviço público e a paridade entre ativos e aposentados.
O rombo da Previdência Social, diz o atual governo federal, chega a R$ 146 bilhões. E uma coisa leva a outra: sem postos de trabalho e com aumento de desemprego são reduzidas também as contribuições.
Na atualidade, os gastos com previdência comem 30% do orçamento público. Mas o dinheiro que entra não é usado apenas para pagar os velhinhos. Ao contrário, vai para áreas mais dispares possíveis.
FHC instituiu fator previdenciário
Antes do golpe de Lula, em 2003, foi a vez de Fernando Henrique Cardoso dar um remédio amargo para o trabalhador. Ele é o responsável por instituir o fator previdenciário – um mecanismo que abocanha parte considerável das aposentadorias. Desde FHC, quem pretende se aposentar por tempo de contribuição é atravessado pelo polêmico fator. Ele arranca até 40% do valor da aposentadoria de quem resolve parar mais jovem de trabalhar – em vez de seguir até a aposentadoria por idade.
A estratégia inibidora de Fernando Henrique Cardoso praticamente inviabiliza uma espécie de aposentadoria, que prima pelo tempo de contribuição. Em casos que o homem se aposentaria com 55 anos, ele perderia quase o dobro se optasse parar de trabalhar aos 65 anos.
Maria Lopes da Silva diz que o maior problema das modificações na previdência é a falta de consciência e acompanhamento da população. “É simplesmente absurdo: ninguém sabe o que está acontecendo. Tratam as questões da previdência como se nunca fossem precisar dela”, diz.
Dilma foi a inventora da aposentadoria 85/95, a fórmula que institui uma base móvel para que seja também evitada a aposentadoria por tempo de serviço. Esses números 85 e 95 significam a soma da idade da pessoa e do tempo de contribuição. Para os homens exige-se 95 e 85 para as mulheres.
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