Politica

“Vivemos uma criminalização contra tudo aquilo que atinge o status quo”

Diário da Manhã

Publicado em 8 de setembro de 2018 às 02:47 | Atualizado há 6 anos

Na manhã do dia 28 de abril de 2017, o estudante de Ciências Sociais Mateus Ferreira da Silva, então com 33 anos, acordou cedo, vestiu calça jeans ver­melha escura, camiseta preta, calçou all-star cano alto e saiu para o Centro de Goiânia. Era clima de Greve Geral. Mas eis que por volta das onze ho­ras da manhã ele acabou sendo sur­preendido. Uma pancada do capitão da Polícia Militar (PM) Augusto Sam­paio quase lhe tirou a vida. O militar desferiu contra a testa do rapaz seu cassetete, que se partiu ao meio com a batida. Mateus foi encaminhado para o Hospital de Urgência de Goiâ­nia (HUGO). Permaneceu mais de 15 dias internado, seis deles em coma.

Como sequela da agressão, fi­cou com o paladar danificado. Sua visão esquerda também sofreu al­terações. Filho de mecânico e mãe cabeleireira, contou que o episódio ocorrido durante sua participação na manifestação contra a Reforma da Previdência o impulsionou a “se­guir na luta com a cabeça erguida”. Mateus não alimenta raiva do poli­cial que quase encerrou sua traje­tória. Pelo contrário. Acredita que o Estado precisa acompanhar cui­dadosa e humanamente os poli­ciais, além de evitar treiná-los para o combate. Também defende a edu­cação enquanto mecanismo para conscientização da sociedade.

Ponto, parágrafo… 22 de agos­to de 2018. Estávamos aguardan­do o agora candidato a deputado estadual pelo Partido dos Traba­lhadores (PT) em um conhecido bar da capital goianiense, no Se­tor Central. A entrevista havia sido marcada às cinco da tarde, mas ele demorou aproximadamente trinta minutos para aparecer. Enquanto o esperávamos, cogitamos seriamen­te a possibilidade de o petista ter nos deixado na mão. Instantes depois, Mateus parou seu Ford Fiesta bran­co cansado da luta, sorrindo e di­zendo “oi, oi, oi” para nós. “Vou naquela mesa conversar e cum­primentar o pessoal”, avisou. Não tivemos nenhuma objeção.

Porque candidatos, não impor­ta se estão pleiteando cargos para Poder Executivo ou Legislativo, têm suas atribuições com o eleitor. Car­regando alguns panfletos de sua campanha, Mateus conversou com alguns simpatizantes e deu pe­quenos tapas nas costas de um ou outro, entregando o folder onde ex­plicava detalhadamente os motivos que o levaram a participar do pleito eleitoral. “Você pode ficar conosco até que horas?”, perguntamos. Com o semblante descontraído, respon­deu-nos que poderia permanecer na sabatina até às sete da noite.

 

ENTREVISTA:

 

DM–Você se considera pelego?

Essa expressão é muito inte­ressante (risos). Ela surgiu com os gaúchos, que chamam de pe­lego o cara que monta o cavalo e o caqueiro. É tipo um “tapetinho”. Então, eu imagino que o pelego é aquela pessoa que vai amortecer os tensionamentos entre a políti­ca e os movimentos sociais. Às ve­zes, atua no sentido de impedir a luta. A pessoa que participa da po­lítica institucional não pode ser chamada de pelega, já que sua principal função é debater e for­mar um consenso democrático.

Mateus, nesse sentido você considera que a partir do momento que você migra para a política institucional o lado de militante vai para escanteio?

Tenho toda minha história em movimento social, mas a partir do momento que você começa a atuar em outra esfera, sua forma de luta muda. A função do movi­mento social é bater, cobrar, con­frontar e combater. A do político, dentro de sua estrutura, que é a de­mocracia, é construir alguma pro­posta que atenda as demandas de determinado movimento social.

Então, você acredita que é mais uma atuação em conjunto do que paralela?

Pelo menos deveria ser, né? Mas os grupos organizados na socie­dade civil também têm suas de­mandas. Por exemplo, os jovens que se organizam independentes aos movimentos sociais, religião e grupos institucionalizados: es­sas pessoas se reúnem por conta de interesses em comum. Aí, é pa­pel do político ouvir tais deman­das. E fazer esse mapeamento.

Você já está fazendo esse mapeamento?

Sim.

Desses grupos, desses conselhos?

Sim, porque a gente precisa ter um mandato em Goiás e no Brasil que ouça as demandas da popu­lação. Isso é uma carência, por­que não temos essa ponte. É pre­ciso tê-la.

Como fazer essa ponte com a juventude que não se interessa pela política institucional?

Podemos fazer isso de várias maneiras. Uma das formas, por exemplo, é passar a utilizar as no­vas tecnologias. Existem aplicati­vos de celular que proporcionam à população acompanhar o que o político eleito que recebeu seu voto está fazendo. Até temos uma proposta de ouvir quais são as de­mandas das pessoas para que pos­samos estabelecer um norte àqui­lo que vamos votar.

Você acha que isso é fazer algo diferente?

Já é um avanço. Mas muita gente não tem acesso ao celular, à internet para poder consultar. Muitas vezes também não se tem o conhecimento necessário para conseguir fazer essa consulta. Por outro lado, precisamos atender os pedidos da população de vá­rios lugares e tentar fugir do pen­duricalho de mandato. É preciso fazer com que a população tra­ga suas demandas até o político.

Mateus, você tem uma formação política em movimento social. É possível ser combatível no meio institucional?

Bem, aassembleiadeveriaserum espaço de debate, um ambiente de debates. Um ambiente para isso. Às vezes, fico olhando as discussões que acontecem e não tem nada a ver com a minha vida. Muitos não atendem aos anseios da população em geral. O trabalhador quer saber o preço do arroz, do feijão, da gasolina. Quer saber se haverá ou não emprego. Esse debate tem de estar no plená­rio. Uma abordagem mais comba­tiva é necessária. Não adianta ficar discutindo feriados e nomes de rua. Oqueissovaimudar naminhavida?

Qual debate é mais importante para gerar essa combatividade?

Tem vários. Dá até para escolher. Aqui em Goiás, por exemplo, a edu­cação é um deles. E é um problema. Hoje, quase 40% dos jovens abando­nam o ensino médio no meio do ca­minho. Às vezes, abandonam porque não conseguem ir à escola. Às vezes, porqueprecisamtrabalharparaaju­darnarendaemcasa. Masoqueleva a isso? Precisamos de programas para mapear esse problema. Além disso, temos a questão das Organizações Sociais, que tentam eximir o Estado de sua responsabilidade de garan­tir um ensino público de qualidade.

E as escolas militares?

Funcionam praticamente como uma Organização Social (O´s). Es­tudos mostram que um estudan­te de escola militar custa até três vezes mais do que alguém que es­tuda em colégio comum.

Qual modelo de gestão você propõe para melhorar o ensino?

É preciso compreender a neces­sidade básica dos pais. Muitas ve­zes eles optam por ter tranquilidade quandoestãonotrabalho. Poroutro lado, quando olham as escolas mi­litares, eles veem a possibilidade de seus filhos se darem bem na vida, de arrumarem emprego. É preciso tra­zer a comunidade e os pais para o ambiente escolar.

Em 2016, o site de notícias Ponte Jornalismo publicou uma reportagem em que mostrava educadores e policiais se unindo para espionar secundaristas e professores contrários à terceirização do ensino no Estado. Como você enxerga a criminalização aos movimentos sociais?

É uma tendência no Brasil. E em Goiás não poderia ser diferente. Vi­vemos uma criminalização contra tudo aquilo que atinge o status quo. E, além disso, vemos uma crescente onda de ideias conservadoras, que se reflete na candidatura de lideran­ças militares.

No ano passado, você foi alvo de agressão por parte do capitão Augusto Sampaio durante protesto da Greve Geral. O que você pensa da polícia?

Não existe sociedade complexa sem polícia. A questão é a gente pen­sar o tipo de polícia que a gente quer. É necessário haver uma força poli­cial, porémhumana. Ficopensando como foi o treinamento do capitão que me agrediu. É preciso priorizar o treinamento humano ao anima­lesco. O procedimento padrão de abordagem deve ser seguido à ris­ca em todos os casos, independen­te da classe social ou do bairro em que estiverem. Precisam ter ampa­ro do Estado para problemas psico­lógicos e coisas do tipo.

Vamos te colocar na berlinda com seu partido: O que pensa sobre a estratégia do PT de brigar até o último momento pela candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

É uma estratégia bastante acer­tada mantê-lo na disputa presiden­cial. Um preso não perde seus direitos políticosporestardentrodoxilindró. Até a Organização das Nações Uni­das (ONU) disse que a candidatu­ra dele é legítima. Porém, o Fernan­do Haddad é um ótimo candidato e, sem dúvida, caso o ex-presidente Lula não possa vir a concorrer ao pleito presidencial, tenho certeza de que ele vai representá-lo bem.

Se você não for eleito, o que pretende fazer?

Nãotrabalhocomoutrahipótese.

Se eleito, vai continuar estudando?

Creio que sim. Não pretendo abandonar os estudos. Quero seguir fazendo mestrado, doutorado. Só irei parar se não conseguir conci­liar a graduação com a mandato.

Um dos maiores problemas que a gente tem sobre a violência policial é a guerra às drogas. O que você acha sobre a legalização?

É uma questão que não tenho como opinar diretamente, porque é um trabalho do Congresso. Porém, acredito que é possível ser um porta voz e levar esse assunto à sociedade. Sobre as guerras às drogas, creio que ela não tem funcionado. Se estives­se tido êxito, teríamos acabado com esse problema.

Sobre violência contra mulher, o que você acha exatamente que os deputados podem fazer para diminuir os casos de agressões?

A questão da violência contra a mulher vai ser sempre tratada como caso de polícia. Há incentivo a criar delegacias da mulher, o é bom. Mas temos poucos projetos que vão ao encontro de prevenção, educação e formação de uma conscientização anti-machista. Inclusive, acredito que a escola poderia ser um canal de formação para uma nova cultura.

O que você pensa sobre identidade de gênero no ambiente escolar?

Eu acho que a escola tem o pa­pel de mostrar o que é gênero. É papel da escola dar educação se­xual, ensinar sobre violência con­tra mulher. Às vezes, tenho a vi­são de que a escola tem apenas a função de formar o aluno para o mercado de trabalho, o que não pode acontecer.

A delegada Adriana Accorsi (PT) já propôs tornar o crime de feminicídio hediondo. Você acredita que o caminho é por aí mesmo?

Todavezqueagentepenaliza, que agentecriaumanovaleipenal, agen­te tem aexpectativa dequeaquilo irá coibir o crime. É parte do processo, mas ainda é uma parte bem peque­na. Precisa-se de campanhas para conscientização. Assim como vemos nos meios de comunicação campa­nhas de conscientização à Aids, se­ria importante passar também coi­biromachismodessaforma. Épapel do governo. É uma política pública.

A formação dos professores ajudaria a evitar casos de lgbtfobia e machismo?

A gente tem essa outra ques­tão que é a formação dos profis­sionais. Por exemplo, os profis­sionais de saúde pública têm de estar preparado para conversar com uma mulher que foi vítima de violência doméstica. A mesma coisa deveria acontecer com a for­mação dos professores tanto nas questões de lgbtfobia e machismo.

Por conta do legado maconista, a Assembleia Legislativa basicamente é base de apoio do governo tucano e suas coligações. Desde 2014, a representatividade de partidos ligados à esquerda diminuiu bastante aqui em Goiás. O que você pretende fazer para lidar com esse isolamento?

Euentendoqueaesquerda, como oposição, não pode ser ‘louca’. Não adianta chegar lá e ficar ofenden­do os cara e colocando o dedo na cara deles. É claro que o debate, a combatividade faz parte do man­dato, especialmente de quem está na oposição, mas não posso fazer isso sozinho. E não tendo maioria na câmara para poder emplacar as nossas proposta precisamos fa­zer um mandato junto aos movi­mentos sociais. Com as vozes da rua. Isso pode trazer força para o que um deputado diz lá dentro.

Como o dia da Greve Geral ficou marcado em sua vida?

Essa pergunta sempre volta. Uma coisa que me impressionou foi a so­lidariedade do povo goiano. Isso é uma das coisas que me faz amar a cidade de Goiânia e Goiás. Toda so­lidariedade e carinho que recebi é muito maior do que a agressão. Me motivou para a luta ainda mais. Quando o negócio acontece com você e sua vida fica em cheque, aí muda toda sua visão sobre as coisas.

Você ficou com alguma seqüela por conta da agressão?

Não fiquei com nenhuma se­qüela cerebral, mas tive uma li­mitação no olfato e uma varia­ção na visão do lado esquerdo. Me acostumei.

Por que ser político?

A política é movida pelo medo e pela esperança. O medo, porém, faz gerar ideias fascistas, como aconteceu na Alemanha nazista. Hitler conseguiu arrumar um ini­migo, que eram os judeus. Aqui o inimigo é a esquerda.

 

 

Não existe sociedade complexa sem polícia. A questão é a gente pensar o tipo de polícia que a gente quer”   Uma coisa que me impressionou foi a solidariedade do povo goiano. Isso é uma das coisas que me faz amar a cidade de Goiânia e Goiás. Toda solidariedade e carinho que recebi é muito maior do que a agressão”
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